(Folha de S. Paulo, 19/08/2016) Após o encerramento da Olimpíada neste domingo (21), o país deve voltar novamente os olhos para uma questão sanitária que não deu trégua: a epidemia tríplice de dengue, zika e chikungunya, todas transmitidas pelo mosquito aedes aegypti, iniciada em 2015 e que ainda persiste.
Embora os números de dengue e zika tenham sofrido queda no primeiro semestre, os da febre chikungunya seguem crescendo mesmo no inverno, período de menos incidência do mosquito. Foram 170 mil contra 17 mil em igual período de 2015. O número de mortes saltou de 6 para 38.
Até 20% das pessoas infectadas pelo chikungunya continuam com dores articulares e limitações por anos e vão precisar de reumatologistas, de remédios de alto custo e de fisioterapia. Não é preciso ser um expert em gestão em saúde para supor o impacto disso no já combalido SUS.
Sem contar os casos de transmissão do vírus da mãe para o bebê. Ao menos três Estados (Bahia, Pernambuco e Paraíba) têm registros de recém-nascidos infectados, com quadros de meningite e de hemorragia cerebral que demandam dias de UTI neonatal — estrutura sempre em falta no sistema público de saúde.
Isso vem a se somar às já conhecidas falhas de assistência aos bebês com microcefalia associada ao vírus da zika. Famílias no Nordeste se queixam da falta de remédios e de vagas nos serviços de reabilitação.
Bem ou mal, os gestores públicos têm tentado dar respostas a essas questões. Mas um dos pontos centrais na guerra contra o mosquito Aedes aegypti, o saneamento básico, pouco avança na agenda política nacional.
Só 58% dos domicílios brasileiros têm coleta de esgoto. A maioria dos dejetos (61%) sai dos nossos banheiros e segue para fossas, rios e lagos.
Mais de 50% dos municípios ainda não resolveram de forma adequada o destino final do lixo. No Congresso já corre novo projeto para adiar para 2024 o prazo de obrigatoriedade para o fim dos “lixões”.
Perto de 85% das casas possuem rede de água, mas não há dados de quantas famílias sofrem com desabastecimento. No último índice nacional de infestação de Aedes, 82,5% dos focos no Nordeste estavam em depósitos de água para consumo. E, no Sul, 49% no lixo urbano.
As ações contra as arboviroses sempre estiveram focadas no combate ao Aedes, e não nas condições socioambientais. Há muito que o “fumacê” se mostra ineficiente. Em geral, só serve para jogar dinheiro fora e gerar mosquitos mais resistentes.
Há boas perspectivas em relação aos mosquitos transgênicos, mas, sem um olhar para as cidades, para a falta de saneamento e a urbanização caótica dos grandes centros, o país pouco avançará no combate ao Aedes. Seguirá colecionando epidemias recordes, mortes evitáveis e gerações de pessoas sequeladas.
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