(Carta Capital, 18/08/2016) Qual é o alimento mais acessível, seguro, completo e oportuno para bebês e crianças pequenas? Qualquer garotinha ou garotinho sabe responder: é o leite materno, e essa resposta vale para qualquer situação socioeconômica, em qualquer lugar do mundo.
A amamentação responde por uma série de benefícios para as crianças, como melhor desenvolvimento afetivo, emocional e cognitivo, o que pode impactar a autoconfiança, a capacidade de se relacionar, o desempenho escolar e, na vida adulta, a faixa de renda; proteção contra infecções e futuras alergias alimentares; e crescimento mais rápido. Também diminui o risco de doenças como hipertensão, colesterol alto, diabetes e obesidade.
Do ponto de vista da mãe, amamentar é igualmente benéfico. Reduz consideravelmente o risco de desenvolvimento de câncer de mama e ajuda a perder peso e reconduzir o útero ao tamanho normal, diminuindo o risco de hemorragias e anemia no pós-parto.
Por tudo isso, o leite materno é recomendado pela Organização Mundial da Saúde como alimentação exclusiva para os bebês nos primeiros seis meses de vida. Após esse período e até o primeiro ano, além do aleitamento, as crianças devem receber alimentação complementar segura e adequada. Amamentar continua sendo importante e recomendado até os 2 anos ou mais.
Um tema tão importante que a ONU instituiu uma Semana Mundial dedicada a ele, e a Prefeitura de São Paulo criou uma Semana Municipal, ambas no começo de agosto.
Diante de dados como esses, a manutenção e a universalização dessa prática deveriam ser uma bandeira universal, e jamais matéria-prima para polêmicas de fundo toscamente moral ou meramente político. Ocorre que nossa caminhada civilizatória nunca foi – e certamente nunca será – linear.
No Brasil, voltamos a um momento em que se vendem cortes na educação e na saúde como economia, e na sociedade retomaram peso as vozes contra qualquer ação afirmativa, defensoras de uma irredutível meritocracia que desconsidera as desigualdades históricas e não se aplica aos filhos de seus propagadores.
A luta das brasileiras pelo direito de amamentar em público, que teve nos “mamaços” suas principais manifestações, conquistou leis como a municipal 16.161, de 13/4/2015, que respalda essa prática em qualquer estabelecimento da capital paulista.
Foi nesse contexto que, como vereador de São Paulo, apresentei projeto de lei que obriga as creches e berçários, públicas e particulares, a armazenarem e oferecerem leite materno ordenhado. É uma medida necessária para garantir que as lactantes não tenham problemas com o trabalho, considerando que o retorno à vida profissional é um momento estressante para as mulheres, sem falar naquelas que nem sequer podem usufruir a licença-maternidade.
A dificuldade de conciliação com a profissão e as tarefas de casa – soma que resulta em jornada semanal superior à dos homens em cinco horas, ao contrário do que pensa o ministro interino da Saúde – costuma ser o grande impedimento para o tempo adequado de amamentação.
A proposição resulta da iniciativa de um grupo de mães que procurou meu mandato, e o texto foi construído em parceria com a Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codae) da prefeitura.
De acordo com a proposta, somente será permitido oferecer ao bebê leite materno ordenhado da respectiva mãe. As creches e berçários deverão passar às lactantes todas as orientações e normas sanitárias quanto a ordenha, higiene, esterilização e acondicionamento. A mãe poderá interromper a oferta quando desejar, mediante comunicação formal.
Hoje, as dificuldades práticas enfrentadas pelas mulheres e a falta de preparo dos serviços que acolhem as crianças resultam, com frequência, na introdução de fórmulas de leite industrializado e uso de mamadeiras e outros bicos artificiais, que trazem risco de desmame precoce.
O tempo de aleitamento materno é um dos poucos indicadores sociais em que os países em desenvolvimento superam os países ricos. Em três décadas, o Brasil mais do que quintuplicou seu tempo médio, chegando a 14 meses em 2008.
Mas, em tempos de desemprego crescente e de ataque aos direitos, a tendência é ter menos empresas que concedam a prorrogação de licença e menos mães com possibilidade de dedicação exclusiva à lactação no período em que ela deve ser (salvo em casos específicos) a única fonte de alimento.
De acordo com a ONU, aumentar os investimentos em amamentação poderia salvar a vida de mais 800 mil crianças no mundo todo ano. Do ponto de vista da economia global, a estimativa é de um acréscimo de até US$ 300 bilhões.
Amamentar, portanto, é uma prática natural, cidadã e sustentável em todos os sentidos. Apoiá-la exige campanhas para vencer a resistência obscurantista e medidas para garantir condições adequadas para as mães e os bebês.
Acesse no site de origem: Aleitamento e o apoio às mulheres, por Nabil Bonduki (18/08/2016)