Regras mais iguais para homens e mulheres, rotinas ainda diferentes

28 de agosto, 2016

Equiparar aposentadorias exigirá creches públicas e licença-paternidade maior

(O Globo, 28/08/2016 – acesse no site de origem)

A reforma da Previdência em discussão pelo governo prevê o fim gradual da diferença de idade na aposentadoria de mulheres e homens. O tema divide especialistas. Os que defendem a proposta se apegam ao argumento de que é uma tendência mundial e ao fato de que, no Brasil, as mulheres vivem mais e se aposentam mais cedo. Logo, recebem o benefício por mais tempo, mesmo contribuindo menos. Os contrários reconhecem que a dupla jornada e os cuidados com filhos e idosos sobrecarregam as mulheres. Por isso, elas mereceriam tratamento especial, já que são as principais responsáveis pela futura força de trabalho do país e zelam pelos mais velhos.

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De um lado ou de outro, especialistas concordam que, caso a proposta de igualar a idade mínima em 65 anos passe no Congresso, ela deve ser acompanhada de maior oferta de creches e adoção de outras medidas, como ampliação da licença-paternidade e melhora na estrutura para cuidado de idosos, de modo a permitir que a mulher não seja obrigada a abandonar o emprego para cuidar de filhos ou parentes mais velhos. Só assim, dizem, haverá igualdade de condições no mercado de trabalho que justifique um tratamento único na aposentadoria.

Levantamento do Ipea com 176 países mostra que dois em cada três não fazem distinção de idade para a aposentadoria entre homens e mulheres. A diferença é mais comum em nações do Leste da Europa, América do Sul, Oriente Médio e Norte da África.

— São países de desenvolvimento intermediário, mais machistas — diz o coordenador de Previdência do Ipea, Rogério Nagamine Costanzi.

No Brasil, os números confirmam a desigualdade no mercado de trabalho e na rotina das famílias. Segundo o IBGE, entre 2004 e 2014, os homens viram sua jornada fora de casa cair de 44 horas semanais para 41 horas e 36 minutos. O resultado foi influenciado pela formalização do mercado de trabalho e pelo aumento do número de homens inativos. Mas o tempo extra não garantiu maior dedicação a afazeres domésticos. A jornada deles dentro de casa permaneceu em dez horas semanais. No mesmo período, as mulheres mantiveram o ritmo de trabalho fora de casa em 35 horas e meia. Dentro de casa, porém, a jornada delas chega a 21 horas e 12 minutos por semana, mais que o dobro da dos homens.

CALCULADORA: SAIBA QUANDO SE APOSENTAR

— Subsidiamos o grupo das mulheres, ao darmos a elas a possibilidade de antecipação de aposentadoria, seja por idade ou por tempo de contribuição. As razões pelas quais fizemos isso, a maternidade e a dupla jornada, continuam valendo. É obrigação do país dar à mulher condições de se manter no mercado de trabalho, de maneira que a reforma da Previdência não represente um custo para elas — diz Luiz Eduardo Afonso, professor do Departamento de Atuária da FEA/USP. — Isso passa pelo aumento da oferta de creches públicas, com qualidade, e por outras políticas de proteção social relativas às mulheres, como o aumento da licença-paternidade.

QUESTÃO DE ‘JUSTIÇA SOCIAL’

O cuidado com os três filhos pequenos deixou a recepcionista da escola Criançartes, Val de Lima, 15 anos fora do mercado. Ela chegou a voltar a trabalhar após o fim da licença-maternidade da primeira filha, mas logo depois engravidou de novo. Somente com os filhos crescidos retornou ao trabalho. Aos 54 anos, ainda precisa trabalhar por mais 11 anos para se aposentar por tempo de contribuição, pelas regras atuais.

Danielle Nogueira e Lucianne Carneiro

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