Tráfico de nigerianas, denunciado há ao menos três décadas na Europa, dobrou de 2015 para 2016
(O Estado de S. Paulo, 05/09/2016 – acesse no site de origem)
A nigeriana Isoke Aikpitanyi, de 38 anos, chegou à Itália com a perspectiva de trabalhar. Acabou numa rede de prostituição, explorada pelas máfias italiana e nigeriana. Foi humilhada, violentada por traficantes e obrigada a trabalhar nas ruas de Turim por 10 euros o programa.
O tráfico de nigerianas para exploração sexual na Itália tem sido denunciado há pelo menos três décadas, mas atraiu novamente a atenção da comunidade internacional quando as autoridades perceberam que os contrabandistas estavam usando a rota do Mediterrâneo para infiltrar vítimas.
No primeiro semestre deste ano, ao menos 3,6 mil nigerianas chegaram de barco, pela travessia entre a costa líbia e a Sicília. O número representa o dobro do ano passado, o maior salto da década. Mais de 80%, segundo a Organização Internacional para Migração, foram traficadas para exploração em bordéis da Itália e outros destinos europeus. As autoridades estimam que 120 mil mulheres sejam exploradas para prostituição na Itália, um terço nigerianas.
Muitas vêm acompanhadas do “marido”, mas, como não têm documentos, é difícil saber se falam a verdade. As autoridades creem que muitos acompanhantes façam parte da rede de tráfico e sejam também explorados para trabalho escravo ou para pedir dinheiro nas ruas.
Essas pessoas são trazidas de seus países com esse objetivo, pelas mãos da mesma rede que lucra com refugiados. “Eles não sabem que serão explorados. Ninguém acredita que esse tipo de coisa ainda exista, mas a escravidão moderna é uma realidade perversa”, diz Isoke. Ela conseguiu escapar pelas mãos de um cliente, com quem fugiu, e hoje ajuda outras mulheres.
“Temos percebido também um aumento no número de menores desacompanhadas”, diz Lucia Borgh, da ONG Borderline. Ao chegar à Itália, elas são obrigadas a assumir dívida pela viagem que chega a 40 mil euros, segundo Isoke, a serem pagos com “trabalho”. Muitas são exploradas ao longo do caminho, principalmente na Líbia.
De um lado, a possibilidade de obter asilo garante a permanência das mulheres no país, evitando o risco de deportação, o que seria prejuízo para os criminosos. De outro, quando têm o pedido negado, elas se tornam presas fáceis dos traficantes.
“Essas mulheres escapam de miséria, conflitos, da violência de grupos como Boko Haram para serem exploradas na Europa”, diz o tradutor eritreu Abraha Tewolde, na Itália há 40 anos. Segundo ele, os criminosos se beneficiam de falhas no sistema italiano. Após desembarcarem, os que chegam pelo Mediterrâneo são encaminhados para abrigos em cidades, onde vivem à espera de decisão sobre o asilo. As mulheres têm desaparecido desses centros.
Adriana Carranca