Homens ainda levam à morte as companheiras por não aceitarem o fim do relacionamento
(Folha PE, 07/09/2016 – acesse no site de origem)
Foi um crime premeditado. Há uma semana, o motoboy Lenildo Félix da Silva, 48 anos, revelou a sua ex-cunhada: “comprei uma arma pra matar tua irmã, mas ainda não tive coragem.” Quem estava marcada para morrer era a operadora de telemarketing Conceição da Silva Bezerra, 37. Na Linha do Tiro, Zona Norte do Recife, moravam juntos há 12 anos, mas há três meses não dividiam a cama. Dali em diante, em vez de sexo, havia o estupro, quando ele a drogava.
A família não levou a ameaça a sério, não denunciou. Na noite de segunda-feira (5), Lenildo cumpriu a promessa. Ela, de costas, foi baleada duas vezes na cabeça. A filha do casal, de cinco anos, presenciou o crime. As pegadas dos pequenos pés marcavam o sangue no chão. Após o crime, ele tentou se matar. Deu um tiro no queixo. Está internado no Hospital da Restauração (HR), estável. Assim como Conceição, 2.626 mulheres foram mortas no Estado, desde a sanção da Lei Maria da Penha, em agosto de 2006.
Um dia antes de Conceição perder a vida, o duplo homicídio de duas jovens mulheres no município de Petrolina, no Sertão do Estado, chocou a comunidade local. Tanto pela brutalidade do crime quanto pela forma com que os corpos de Bruna Souza Torres e Taiane de Souza Costa, ambas de 19 anos, foram encontrados. As vítimas estavam despidas e amarradas com a farda de Jovem Aprendiz, programa do qual faziam parte.
A polícia procura culpados e investiga se houve violência sexual. “Mesmo com os dez anos da Lei Maria da Penha e os investimentos do Governo do Estado em políticas públicas de combate à violência contra a mulher, ainda presenciamos essas barbáries que estão ligadas à cultura machista, do direito que os homens acreditam ter sobre as mulheres. O cenário em que um homem não procede no fim do relacionamento com a esposa e chega até as vias de fato na frente de uma criança é uma situação de muita violência concentrada na estrutura masculina”, comentou a secretária da Mulher do Estado, Sílvia Cordeiro, sobre o assassinato de Conceição.
Segundo a gestora, a pasta vem monitorando os homicídios desde junho. “Estamos tipificando e estudando cada caso de feminicídio no Estado. Com o perfil, poderemos elaborar projetos mais eficientes.”
Em julho, foi condenado o primeiro réu por crime de feminicídio no Estado. Cristiano de Lima vai cumprir 18 anos e seis meses de reclusão em regime fechado por assassinar a ex-companheira. A lei foi sancionada em março de 2015, alterando o Código Penal. Dispõe que feminicídio é o crime praticado contra a mulher por razões da condição de gênero. O crime ocorre na violência doméstica ou quando há menosprezo à condição da mulher. Segundo o TJPE, desde 2009, quase sete mil homens foram enquadrados na Lei Maria da Penha.
Para a própria Maria da Penha, os assassinatos premeditados de Conceição e de outras mulheres podem ser preventivamente evitados se houver a força e a coragem para denunciar o agressor. “Morando no Recife, ela deveria estar inteirada de seus direitos. Às vezes, isso acontece porque a mulher duvida que o homem vai tomar uma atitude tão radical. Os pequenos municípios do Interior não possuem estrutura suficiente para ações e mecanismos através da lei. É necessário que haja a coragem de denunciar”, destacou.
Wilson Maranhão