Que levante a mão aquela que já nasceu desconstruída e sabendo que nada no mundo deve funcionar diferente para homens e mulheres.
(O Estado de S. Paulo, 08/09/2016 – acesse no site de origem)
Que levante a mão quem já nasceu sem nenhum tabu referente ao corpo e a sexualidade nem nunca se sentiu na obrigação de agradar os outros. Quem nunca sentiu que deveria casar (com um homem) e ter filhos.
Que levante a mão a mulher que nunca se preocupou em ser atraente, mas em também ser difícil para não ficar com fama de rodada.
Ou quem nunca se sentiu culpada por beber/ falar palavrão / não querer casar/ não ser ‘feminina’ / gostar de coisas ‘masculinas’ e afins.
Que se manifeste a primeira mulher que nunca xingou outra de vagabunda ou de adjetivos similares.
A que nunca achou que a causa da infidelidade de um homem era outra mulher. Que nunca comentou que um estupro ou assédio poderia ter sido evitado com alguma mudança de atitude da vítima. A que nunca disse que mulher que fica em relação violenta gosta de apanhar.
Que se pronuncie a mulher que nunca se vangloriou de usar o cérebro e não a bunda, que nunca mandou alguém abrir o livro e fechar as pernas.
Todas nós já reproduzimos machismo em maior ou menor grau, é impossível não o fazer quando se é criada e socializada dentro desse sistema. Com (muito) esforço, vamos revendo nossos conceitos e nos livrando de ideias ultrapassadas, injustas e sexistas.
Só que depois que abrimos os olhos para o machismo, não conseguimos mais fechar. Ficam cada vez mais evidentes as nuances de um modelo desigual para homens e mulheres e percebemos que desconstruí-lo dá trabalho e necessita do maior número de braços possível.
Com a nossa sede e impaciência de mudar o sistema, no entanto, não dá para esquecer de uma coisa: mentes não mudam da noite para o dia. Pelo contrário, cada pessoa tem seu tempo e seu processo de conexão com o feminismo e descontrução do machismo. Podemos facilitar esse processo mantendo o assunto em pauta e estando sempre por perto, mas em última instância isso é mesmo um processo individual.
Cada pessoa tem seu próprio gatilho para o despertar feminista. Seus motivos, suas dificuldades, suas questões prioritárias. Tirar de dentro de nós uma construção secular e sustentada por toda a sociedade não é fácil, não é rápido e nem é um processo que tem fim. Nunca nos livramos totalmente dos resquícios do patriarcado, mas é sempre possível evoluir. Meu eu de 5 anos atrás não pensava como hoje e espero que a Nana do futuro também seja diferente da versão atual.
Por isso é tão importante ter paciência e compreensão com quem está começando a se desconstruir. Seria maravilhoso se todos nós nascêssemos feministas, mas não é assim que funciona. Estendamos os braços para quem quiser se reinventar, nunca é tarde para vir para o lado feminista da força 🙂