Por que, nas escolas, as filas são separadas entre meninos e meninas? E por que é ‘natural’ que, nas aulas de educação física, as meninas joguem vôlei, enquanto os meninos jogam futebol?
(UOL, 27/09/2016 – acesse no site de origem)
Refletindo sobre questões como essas, Mayla Rosa Rodrigues, professora da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Frei Francisco Mont’Alverne, na Vila Domitila, zona leste de São Paulo, percebeu como a escola costuma reforçar práticas desiguais que acontecem na sociedade.
“Os meninos são muito mais incentivados a desenvolver atividades físicas e muito mais elogiados pelo seu desenvolvimento em matérias como matemática, enquanto as meninas brincam de como “ser mamãe” e são mais incentivadas a se desenvolver em matérias linguísticas”, conta a professora.
A partir disso, Mayla passou a analisar com um olhar mais crítico os livros didáticos e livros de literatura infantil –e encontrou neles também uma repetição de estereótipos, “seja quando apresentam meninas apenas como ajudantes dos meninos cientistas ou quando deixam de mostrar meninas negras”.
Mulheres na História
Mayla resolveu, então, criar o projeto “Mulheres na História”, onde são debatidos estereótipos de comportamento, sejam eles de gênero, raciais, sexuais ou de classe. Para isso, os principais mecanismos que são utilizados com uma turma de alunos do 4º ano são a pesquisa e as leituras biográficas de mulheres.
“As crianças estão pesquisando mulheres que fizeram parte da nossa história e que são frequentemente apagadas e silenciadas. Por exemplo, muitos sabem quem foi Martin Luther King, mas poucos conhecem [a ativista negra norte-americana] Rosa Parks”, explica Mayla.
Para a professora, é papel da escola desconstruir a ideia de que apenas os homens constroem e transformam a história. “Quando mulheres são apresentadas apenas como coadjuvantes, elas passam a acreditar que essa é sua única possibilidade”, afirma.
Entre as mulheres que os alunos já estudaram, estão Aqualtune, grande símbolo de resistência negra e avó de Zumbi dos Palmares; Jackie Joyner-Kersee, atleta americana de destaque no heptatlo e no salto a distância; e Maria da Penha, líder brasileira de movimentos em defesa dos direitos da mulher e que inspirou a criação da lei homônima que completa uma década este ano.
Mudanças no comportamento
Mayla, que se considera feminista, conta que para ela as desigualdades de gênero sempre foram motivo de inquietação. “Fui criada pela minha mãe com mais duas irmãs e, toda vez que alguém via minha casa minimamente bagunçada, o comentário era imediato: ‘como uma casa com tanta mulher pode ser bagunçada?’. Aquilo me incomodava muito”, lembra.
É justamente essa visão de mundo que a professora busca ampliar, além de não limitar o potencial das crianças em “caixinhas” de coisas destinadas apenas para meninas ou para meninos. Com a realização do projeto, ela diz que a mudança no comportamento das crianças é nítida.
“Os conflitos que enfrentávamos no início do ano estão quase extintos, pois as crianças passaram a se respeitar mais, a entender o limite do outro e a ouvir o ‘não’ do colega. Além disso, como todas as crianças se sentem ouvidas, o interesse delas em sala de aula aumentou consideravelmente.”
Autonomia e pensamento crítico
Outro reflexo do projeto é um maior desenvolvimento da autonomia das crianças, que não esperam mais que apenas a professora traga leituras ou diga a elas o que escrever. “Elas me trazem notícias que querem discutir em sala ou livros que gostariam que eu lesse para todos e criticam filmes e livros que não tenham personagens negros”, explica Mayla.
Apesar de o projeto ter sido desenvolvido por iniciativa própria, a professora ressalta a importância do suporte da escola. “Desde que comecei a desenvolver o projeto em sala, recebi apoio da equipe gestora, além de muitos elogios”, afirma.
Escola sem Partido
Para Mayla, “todo profissional da educação deveria ter autonomia em sala de aula” – uma ideia que bate de frente com o programa “Escola sem Partido”, que condena uma suposta doutrinação ideológica no ensino.
“Quando defensores do programa dizem que os professores não são isentos de ideologia e, por isso, vão ensinar às crianças o que se deve pensar, ignoram que elas não são sujeitos sem capacidade de crítica”, explica.
A professora ainda diz que a escola é um espaço onde o direito de aprendizagem da criança e a pluralidade de ideias e de concepções devem ser mantidos. “Há a necessidade urgente de se pensar em práticas inclusivas, que considerem as diferenças e a diversidade de opiniões sem demonizá-las, nunca o contrário”.
Ana Carla Bermúdez