Quando ambos os cônjuges trabalham fora, ainda são elas que trabalham mais dentro de casa
(Nexo, 05/10/2016 – acesse no site de origem)
O Brasil segue a tendência mundial, e irreversível, de uma inserção cada vez maior das mulheres no mercado de trabalho. Com mais mulheres em empregos formais, cresce também o número de famílias chefiadas por elas (entre 2014 e 2015, foram 1,5 milhão a mais e de casais de dupla carreira, ou seja, em que ambos trabalham fora e são responsáveis pelas despesas domésticas). Hoje, cerca de 40% das mulheres contribuem com a renda do lar no Brasil.
Só que a divisão dos gastos e da chefia de família, no entanto, não se repete na divisão de trabalho doméstico. Como consequência, as mulheres são as que mais sentem o peso da dupla jornada. Um estudo conduzido por pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos mostrou que, entre famílias com filhos de menos de cinco anos, as mulheres relataram trabalhar 15 horas a mais por semana do que os seus parceiros.
“Esta divisão desigual gerou maior sobrecarga de atividades para as mulheres, prejudicando-as, em comparação com os seus cônjuges, não apenas em relação ao seu desempenho profissional, como também em relação à sua satisfação com seu desempenho familiar e, até mesmo em seu bem estar mais geral, como foi evidenciado nos resultados sobre os níveis de estresse.”
Ana Carolina Gravena Vanalli
Em sua tese de doutorado na UFSCar
Em 2015, o instituto Pew Reasearch Center revelou que, nos EUA, 56% dos pais e mães que trabalham fora encontram dificuldades para equilibrar vida profissional e familiar. O peso da família foi especialmente maior para as mulheres ouvidas: 41% delas afirmaram que cuidar dos filhos é mais difícil do que avançar na carreira. Entre os homens, esse número foi 26%.
“Os homens vêm assumindo um papel mais ativo no âmbito doméstico, principalmente em relação aos filhos, mas a principal responsabilidade ainda é das mulheres na maior parte das famílias”, disse ao Nexo Alessandra Rachid, doutora em engenharia que pesquisa organização do trabalho também na UFSCar.
O estresse é maior nas famílias em que ambos os parceiros trabalham fora em tempo integral e em períodos nos quais as demandas para cuidados com dependentes familiares são mais intensas (quando os filhos são pequenos ou quando um familiar idoso necessita de ajuda diariamente, por exemplo), explicou ao Nexo Elizabeth Joan Barham, pós-doutora em psicologia social e professora na Universidade Federal de São Carlos.
“Para ter tempo para tarefas e envolvimentos familiares, acabam reduzindo o tempo de descanso, atividades sociais, e tempo para cuidar de sua própria saúde física.”
Elizabeth Joan Barham
Professora da UFSCar
O papel das empresas e do poder público
Em seu estudo, a pesquisadora Ana Carolina Gravena Vanalli percebeu que os homens e mulheres têm percepções diferentes sobre sua atuação no ambiente doméstico. Homens se mostraram satisfeitos com seu desempenho; as mulheres, embora trabalhassem mais dentro de casa, não.
Isso dialoga, para ela, com os papéis de gênero – e uma divisão mais equilibrada passa também pela modificação dos crenças de ambos os cônjuges sobre as tarefas relacionadas a homens e mulheres. Vanalli também defende que as atuais políticas públicas para casais trabalhadores com filhos pequenos devem ser repensadas.“Não existem políticas públicas efetivas que assegurem a atenção mínima necessária dos pais e mães para crianças ao longo da primeira infância.”
Um sistema de creches e de cuidado para idosos em tempo integral, que pode ser viabilizado por esforços públicos e empresariais, também é uma alternativa, diz Alessandra Rachid. A pesquisadora ressalta, contudo, que esse tipo de política também não deve ser direcionado apenas às mães. “Seria um avanço se essas medidas apontassem para o compartilhamento dessas responsabilidades entre homens e mulheres”.
No campo empresarial, flexibilidade na jornada e mudanças na licença-maternidade, por exemplo, são políticas que podem ter impacto positivo. “Pessoas que contam com maior flexibilidade de horários no trabalho conseguem resolver problemas familiares rapidamente, evitando que se transformam em problemas maiores”, diz Elizabeth.