O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está de olho em uma parcela de empreendedores que cresceu muito nos últimos anos: os donos de negócio afro-brasileiros. Afinal, a maioria dos empreendedores brasileiros já é negra — e o país tem muito a ganhar se investir mais nessa parcela de empresários.
(Exame, 06/10/2016 – acesse no site de origem)
Entre 2003 e 2013, o número de negros à frente de empresas no Brasil cresceu 27%. Nesse mesmo período, o número de pessoas brancas que possuem uma empresa teve uma redução de 2%, segundo estudo do Sebrae.
Mesmo assim, os empreendedores afrodescendentes enfrentam barreiras adicionais na hora de abrir uma empresa. Por exemplo: só 9% dos pretos e pardos que são donos de negócio conseguem contratar funcionários — enquanto 22% dos empreendedores brancos são empregadores.
O menor grau de desenvolvimento das empresas reflete também em menos dinheiro na conta no fim do mês: em 2013, o rendimento médio mensal dos empreendedores pretos e pardos foi de 1.246 reais, contra 2.627 reais entre brancos.
Para Luana Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID, tais discrepâncias se devem a “arranjos discriminatórios históricos”. “Queremos reverter esse quadro discriminatório e promover o crescimento dos empreendimentos de afro-brasileiros”, afirmou em entrevista a EXAME.com, por e-mail.
Garcia é brasileira, mas fica em Washington para coordenar o Inova Capital: um programa do BID para apoiar empreendedores afro-brasileiros e que tem como meta investir 500 mil dólares (cerca de 1,6 milhão de reais) até 2017.
A ideia do Inova Capital é não apenas ajudar a criar “um segmento afro-empreendedor”, mas também entender o consumo dessa parcela da população.
Leia a seguir a entrevista com a especialista do BID, e entenda por que investir nos empreendedores afro-brasileiros pode ajudar a levantar o país.
EXAME.com — Por que o BID decidiu focar especificamente nos empreendedores afro-brasileiros?
Luana Garcia — O acesso a financiamento e a capacidade de gerir um negócio sem dúvida persistem como importantes barreiras ao crescimento de todas as empresas. Contudo, os empreendedores afrodescendentes muitas vezes enfrentam barreiras adicionais, em decorrência de arranjos discriminatórios históricos.
Em uma pesquisa realizada pelo PROCON-SP sobre discriminação racial nas relações de consumo, de 2010, a maioria dos entrevistados reportou haver presenciado atitude discriminatória de cor ou raça no momento da compra de um produto ou na contratação de um serviço. Os bancos e instituições financeiras estavam entre as três primeiras onde os consumidores mais se sentiam discriminados, depois das lojas e shopping centers.
Enquanto isso, os afrodescendentes representam 68 milhões de consumidores e 11 milhões de empreendedores brasileiros. Do total de donos de negócios no Brasil, 52% são negros. Queremos reverter esse quadro discriminatório e promover o crescimento dos empreendimentos de afro-brasileiros.
EXAME.com — Como o empreendedorismo pode ajudar a superar essa discriminação histórica?
Luana Garcia — O empreendedorismo é uma alavanca muito importante no desenvolvimento social e econômico de qualquer sociedade, bem como para o crescimento profissional e social do próprio empreendedor. Nós, do BID, acreditamos que promover o empreendedorismo afro-brasileiro é fundamental para a sustentabilidade desse desenvolvimento.
Esses empresários também em geral estão mais familiarizados com os problemas centrais de zonas mais vulneráveis das cidades, suas circunstâncias e seus mercados. E as grandes corporações e as agências governamentais de fomento têm incentivado empresas que possam impulsionar o desenvolvimento desses segmentos sociais. Um amplo capital está disponível para financiar empresas inovadoras neste espaço.
Além disso, para os investidores, investir em afro-empreendedores oferece uma opção de diversificação da carteira de investimentos com retorno econômico e impacto social.
EXAME.com — De que forma o BID investirá os 500 mil dólares destinados ao Inova Capital?
Luana Garcia — Os recursos são direcionados para duas vertentes: apoiar e criar um modelo de segmento afro-empreendedor e entender o consumidor negro.
A primeira vertente envolve a criação de uma estratégia de prospecção de afro-empreendedores de alto potencial de crescimento e impacto econômico e social. Teremos, por exemplo, o desenvolvimento de uma metodologia de capacitação empresarial integral, inclusiva e com pertinência cultural.
Outro ponto será a criação de ferramentas para aumentar a capacidade de pitching, oratória e de apresentação resumida ou storytelling de negócios para investidores. E teremos ainda o aumento da visibilidade desses empreendedores, o intercâmbio e o acesso a redes empresariais, aceleradoras e incubadoras, feiras e investidores nacionais e internacionais.
Nós já desenvolvemos um piloto intensivo no Inova Capital de capacitação e coaching com 30 afro-empreendedores, realizado no primeiro semestre deste ano. Também organizamos uma competição de negócios com sete afro-empreendedores, realizada em parceria com a Anjos do Brasil, em agosto.
Paralelamente, o BID está conduzindo um levantamento no país sobre o mercado afro-brasileiro, que se estenderá até 2017. O estudo envolve preferências de marcas, comportamento do consumidor e publicidade nas redes sociais, por exemplo.
EXAME.com — Em termos de redução da desigualdade, quais resultados vocês já viram após esse piloto intensivo e essa competição? Haverá uma nova seleção?
Luana Garcia — Ainda é cedo para falarmos de resultados em redução de desigualdade, mas o programa já deu os primeiros passos nesse sentido.
Na competição de negócios de empreendedores afrodescendentes, que puderam apresentar suas pitchespara investidores, quatro receberam reconhecimentos pelo programa por seu impacto social e seu potencial de atrair investimentos. Os três primeiros colocados fazem parte da plataforma Anjos do Brasil, que é uma verdadeira vitrine para quem busca investimento.
Mas vale lembrar que este programa beneficia não só os empreendedores desta primeira edição. Indiretamente, afeta todo o empreendedorismo afro-brasileiro, colocando-o em evidência e criando um modelo de apoio que pode e deve ser escalado.
Ainda não temos data prevista para a próxima versão, mas estamos confiantes de que o investimento do BID demonstrou ao mercado que efetivamente existem empreendedores afro-brasileiros de alto potencial – o que falta são oportunidades para que eles possam melhorar suas habilidades de gestão, de apresentação e de formação de redes de contatos para fazer seu negócio crescer e para acessar capital.
EXAME.com — Como o BID enxerga o ecossistema empreendedor brasileiro, de forma geral? Há novos planos de atuação?
Luana Garcia — O Brasil possui um dos ecossistemas de negócios mais dinâmicos da região. De acordo com o Sebrae, três em cada dez brasileiros adultos possuem uma empresa, ou estão envolvidos com a criação de um negócio próprio.
Ou seja, há um vasto ecossistema que deve ser incentivado: o BID entende que o setor privado é ator chave do desenvolvimento do país.
Estamos trabalhando estreitamente com os governos para apoiar o fortalecimento desse ecossistema de inovação e empreendimento. Isso inclui criar programas de capacitação, inserir benefícios fiscais para incentivar a inovação ne implementar marcos legais para agilizar investimento e criação de empresas e também para a proteção de propriedade intelectual. Buscamos tornar o ambiente mais propício para que surjam mais soluções aos desafios do desenvolvimento local e do internacional.
Mariana Fonseca