A 3ª Vara do Júri do Foro da Capital do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aceitou denúncia de feminicídio, oferecida pelo Ministério Público (MP-SP), contra um acusado de ter assassinado uma mulher transexual.
(Jota, 11/10/2016 – acesse no site de origem)
Trata-se da primeira ação penal oferecida à Justiça em todo o estado por feminicídio de uma mulher trans. O feminicídio consta da denúncia como uma quarta qualificação do homicídio atribuído ao companheiro da trans assassinada no dia 9 de fevereiro.
Em junho, o promotor de Justiça Flávio Farinazzo Lorza, que atua perante a 3ª Vara do Júri, denunciou Luiz Henrique Marcondes dos Santos por ter estrangulado e depois matado com uma faca a companheira citada como Michele, de nome civil Miguel do Monte. Após o assassinato, Luiz teria ainda ocultado o cadáver de Michele.
“Inegavelmente, a vítima se comportava como mulher, até mesmo com nome social de conhecimento notório, mantendo relação amorosa com um homem, utilizando vestes e cabelos femininos, além de já ter realizado procedimentos cirúrgicos para adequação do corpo, como a manipulação de silicone nos seios”, justifica Lorza na denúncia.
O crime de feminicídio – previsto no art.121, §2º, inciso VI e §2º-A, inciso I do Código Penal -, explica o promotor, é uma qualificadora que necessita de uma legislação complementar, a qual se enquadrou a Lei Maria da Penha (1.340/06), já que o crime de violência doméstica está previsto no caso.
Segundo o promotor, “não há que se questionar o caráter de violência doméstica empregada pelo denunciado à vítima”, já que Michelle e Luiz eram companheiros e moravam juntos há 10 anos.
“Doutrinadores entendem que qualquer pessoa ligada ao gênero feminino, inclusive transexuais, podem ser vítimas de violência de gênero e, portanto, de feminicídio”, relata a promotoria, na denúncia.
Para Paulo Iotti, membro do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, a denúncia do promotor foi acertada.
“O ser humano é muito mais do que ele tem entre as pernas”, disse o advogado. “Não é porque nasceu com pênis que vai deixar de ser mulher, já que ela se considerava assim.”
Segundo Iotti, do ponto de vista penal, como a Lei Maria da Penha foi citada pelo MP, o feminicídio se enquadra “perfeitamente”.
“É uma qualificadora que veio para proteger o gênero feminino”, argumentou. “Como estavam casados há 10 anos, houve violência doméstica.”
Além da qualificadora de feminicídio, o acusado foi denunciado por homicídio qualificado por “motivo torpe” (art. 121, § 2º, inciso I do CP), por tornar “impossível a defesa do ofendido” (art. 121, § 2º, inciso IV do CP) e pela ocultação do cadáver (art. 211 do CP).
Com o recebimento da denúncia, a juíza Patricia Inigo Funes e Silva decidirá, no dia 29 de novembro, se haverá pronúncia do réu. Caso isso aconteça, o acusado vai a júri popular no Fórum da Barra Funda.
A morte de Michelle
Na denúncia do promotor, consta que no dia do crime Michelle e Luiz Henrique discutiram e, posteriormente, o homem estrangulou Michelle. Em seguida, com a faca, golpeou o pescoço da mulher, levando-a à morte.
“Depois de matar Michele, o denunciado levou o cadáver até um terreno baldio a poucos metros do local e o enterrou, ocultando-o”, conta o promotor de Justiça.
A juíza aceitou a denúncia do Ministério Público, avaliando que há “materialidade delitiva e indícios de autoria” do crime. A magistrada agendou audiência para 29 de novembro, às 14:00.
Outro lado
Procurada por meio de sua assessoria de imprensa, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, responsável pela defesa do acusado Luiz Henrique Marcondes dos Santos, não respondeu ao pedido de entrevista feito pelo JOTA. Tão logo isso aconteça, esta reportagem será atualizada.