No mundo, 15 milhões de crianças terão casado em 2016 antes de completar 18 anos, ou seja, uma a cada dois segundos, de acordo com o Unicef
(Correio Braziliense, 11/10/2016 – acesse no site de origem)
Quando tinha 14 anos, a bengalesa Radha Rani Sarker fingiu dormir para poder “fugir pela porta dos fundos” e evitar que a cassassem à força. Desde então, luta para que “todas as crianças do mundo” não tenham que viver algo semelhante.
“Meu pai tinha acabado de morrer quando tentaram me casar. Éramos cinco irmãs, ninguém podia atender às minhas necessidades”, conta a jovem de cabelos longos ao passar por Paris, por ocasião da quinta jornada internacional das meninas, celebrada nesta terça-feira.
Seu cunhado a sequestrou em casa, esperando casá-la com um de seus amigos, de 21 anos, mas Radha conseguiu fugir e se refugiar na casa da mãe, a quem chama de “seu anjo”. Ela entendia pelo que a filha estava passando, porque a casaram aos 12 anos.
“Uma vez casada, sabia que perderia tudo. Minha liberdade, meus estudos, minha vida”, prossegue Radha Rani, hoje uma estudante de 21 anos e porta-voz da campanha contra os casamentos forçados, lançada pela ONG Plano Internacional.
Radha foi apadrinhada por esta associação desde os três anos, e por isto se familiarizou muito cedo com os direitos das crianças e os perigos do casamento forçado.
“Quando estava trancada na casa do meu cunhado, pensava como é possível que eu, que estou sensibilizada e vejo o sofrimento das minhas irmãs, possa suportar algo assim?”, acrescentou. Três de suas quatro irmãs foram casadas à força.
No mundo, 15 milhões de crianças terão casado em 2016 antes de completar 18 anos, ou seja, uma a cada dois segundos, de acordo com o Unicef.
No Níger, na República Centro-africana, na Guiné, no Chade e em Bangladesh, os cinco países onde esta prática é mais estendida, 60% das mulheres se casaram antes da maioridade, sobretudo por motivos financeiros.
Uma menina sem estudos não pode apoiar financeiramente sua família e quanto mais difíceis são as condições de vida, maior é a tentação dos pais de casá-las.
‘Livrar-se’ das meninas
Como consequência disto, as meninas são menos escolarizadas, sofrem mais isolamento, mais risco de mortalidade infantil ou materna, assim como de violência, segundo a Plano Internacional.
“Os pais não estão suficientemente sensibilizados”, acrescenta Radha, militante em uma associação local que defende os direitos de mulheres e crianças.
“As meninas têm sonhos, desejos, são o futuro e ninguém presta atenção. No meu país, quando se tem uma filha, não se pensa em outra coisa que se desfazer dela mediante um casamento”, explica.
Em Bangaldesh, a lei proíbe o casamento de menores, mas 73% das meninas se casam sem ter completado 18 anos e mais de uma em cada quatro tem entre 12 e 14 anos.
“A lei não se aplica”, denuncia a ativista, que lembra que seu país é comandado por uma mulher desde 2009, Sheij Hasina. “Além disso, a pena é mínima, um mês de prisão e multa de 1.000 takas (uns 11 euros)”, acrescenta.
Segundo Yvan Savy, diretor da Plano Internacional francesa, 144 países (de 193) não tem nenhuma lei que proíba o casamento de crianças. A ONG milita para que todos adotem um mesmo texto que diga que ‘antes dos 18 anos, ninguém se casa'”, afirmou.
A viagem de Radha a Paris é a sua primeira ao exterior. Na quarta-feira, ela irá a Bruxelas para fazer um discurso perante as autoridades europeias “e pedir ajuda”.
A jovem recebeu sete propostas de casamento. Mas não está certa de que vá se casar algum dia: “sou uma mulher livre, posso tomar minhas decisões”.