Gritar “bicha” não é cultural, mas questão de educação, alega entidade
(Folha de S.Paulo, 14/10/2016 – acesse no site de origem)
A Fifa rejeitou nesta sexta-feira o argumento apresentado pela Conmebol de que os gritos de “bicha” entoados pela torcida brasileira ou sul-americana nos estádios fazem parte de um “comportamento cultural” e prometeu que vai continuar sancionando federações da região.
Nesta semana, os dirigentes da entidade de futebol da América do Sul levaram à Fifa uma queixa de que estavam sendo sancionados de forma exagerada por gritos de “bicha” por parte da torcida. Wilmar Valdez, presidente da Federação Uruguaia de Futebol, confirmou que reuniões foram mantidas para explicar que o uso de certas palavras para ofender o adversários não tinham o caráter de homofobia.
Questionada se o argumento “cultural” era válido, a nova secretária-geral da Fifa, Fatma Samoura, rebateu: “é uma questão de educação e não pode ser autorizada”.
“O que posso dizer é que precisamos que as pessoas sejam educadas, mesmo que esteja na sua história, na sua cultura, usar palavras não amigáveis contra o adversário. Isso tem de parar. Para a Fifa, a tolerância é zero em relação à homofobia, discriminação racial e discriminação de gênero”, respondeu a delegada da Fifa, uma africana, negra, mulher e muçulmana. “Isso tem de parar. Para a Fifa, a tolerância é zero com relação à homofobia”, disse.
“Para mim, a mensagem aos presidentes de federações é de que temos de encontrar uma base comum, trazer educação. Precisamos sensibilizar os torcedores e que tenham uma maior participação na cultura da diversidade e aceitação”, disse.
Fatma admite que a luta contra esse comportamento é “de longo prazo” e que, além de sanções, um diálogo precisa ser estabelecido com a torcida para convencer os grupos de que se deve falar em respeito. “Sanções não são o único caminho. Tendo experiência na ONU, sou a favor de diálogo. Se sanções fossem as soluções para todos os problemas do mundo, não estaríamos na situação que estamos hoje”, disse.
No total, as seleções latino-americanas já foram punidas em treze ocasiões por conta de gritos com caráter de homofobia por parte de seus torcedores, o que resultou em multas de 550 mil francos suíços (cerca de R$ 1,8 milhão), aplicadas pela Fifa.
Na semana passada, foi a vez de a CBF pagar 20 mil francos suíços (R$ 66 mil) por conta de um incidente contra a Colômbia, em Manaus, no dia 6 de setembro. A CBF foi punida pela primeira vez, depois de gritos de “bicha” vindos do público ao goleiro adversário. Um advertência também foi lançada. Se a prática continuar, o Brasil pode ficar proibido de atuar em certos estádios do País ou mesmo jogar a portas fechadas.
Mas, em outros três partidas da seleção, foram os jogadores nacionais que foram alvos de cânticos de caráter homofóbico pelos adversários. Isso ocorreu contra a Argentina em novembro de 2015, contra o Chile, em outubro do ano passado, e contra o Paraguai, em março deste ano.
Pressionada diante da Copa do Mundo na Rússia em 2018, a Fifa quer demonstrar que está agindo contra o racismo e discriminação. Em Moscou, porém, leis aprovadas em 2013 foram duramente criticadas por ativistas, apontando que as normas visam censurar a expressão homossexual em locais com a presença de menores.
Vitaly Mutko, presidente do Comitê Organizador Local da Copa e ministro do Esporte, alegou que o Kremlin queria proteger as crianças de “drogas, alcoolismo e relações sexuais não-tradicionais”.
A maior das penalidades foi imposta contra o Chile que, depois de já ter sido multado, voltou a cometer infrações e agora não poderá disputar o jogo do dia 28 de março contra a Venezuela no estádio Nacional Julio Martínez Prádanos, em Santiago. Os chilenos ainda terão de pagar mais 65 mil francos em multas.