Presença de ator trans no sitcom norte-americano e pedido de ganhador do Emmy por mais inclusão acendem debate sobre presença de transexuais na TV
(CartaCapital, 21/10/2016 – acesse no site de origem)
Em seu discurso de aceitação do prêmio Emmy de melhor ator de comédia, Jeffrey Tambor pediu: “Por favor, deem aos talentos trans uma chance. Dê a eles audiência, dê a eles histórias. Eu ficaria feliz se fosse o último homem cisgênero a interpretar uma mulher trans na televisão”. Tambor foi premiado pela segunda vez pelo seu retrato da mulher transgênera Moira Pfefferman no seriado Transparent, produzido pela Amazon.
O apelo pela representatividade foi atendido, em parte, no último dia 28, quando o sitcom norte-americano Modern Family apresentou o ator trans Jackson Millarker, de 8 anos, interpretando um personagem trans. Foi a primeira vez que o seriado, que gira em torno de famílias não-convencionais, trabalhou com a temática trans. Provavelmente, foi também a primeira vez que utilizou-se uma criança transexual para retratar outra na mesma condição na televisão norte-americana.
Apesar de tímida – o personagem de Millarker falou oito palavras e o ator esteve em cena por menos de um minuto – a série apresenta para uma audiência mais ampla as discussões acerca da transexualidade, conceito que abarca (mas não só) pessoas que se identificam como pertencentes ao gênero diferente do sexo biológico atribuído no nascimento e querem ser reconhecidas socialmente no gênero que desejam.
A diretora da série, Ryan Case, posou entusiasmada ao lado da criança em seu Instagram com a legenda “Esse é Jackson Millarker. Ele tem 8 anos, nasceu em Atlanta e é transgênero. Ele interpreta Tom, amigo de Lily, no episódio desta semana e é maravilhoso. É uma das muitas razões pelas quais eu amo esse seriado”
No episódio “A Stereotypical Day’ (‘Um dia de estereótipos’), o segundo da oitava temporada, Lily (Aubrey Anderson-Emmons) gera ansiedade nos pais Mitchell e Cameron ao supostamente discriminar o colega de escola Tom (Jackson Millarker), antes conhecido como Tina.
No início do episódio, o casal, formado por dois homens, estava orgulhoso das atitudes exibidas por sua filha diante do novo amigo. Uma pequena confusão, porém, leva os dois a uma crise existencial acerca das atitudes da criança e da família como um todo relacionadas a essa questão.
O episódio não vai fundo no tema. A certa altura, o patriarca da família, Jay Prichett (Ed O’Neil) ironiza o filho: “Interessante. No tempo que levei para aceitar que meu filho estava vivendo uma vida diferente da que eu esperava, Mitchell me chamou de velho hétero branco preconceituoso. Agora, você é igual a mim”.
Colunista de cultura pop na revista The Atlantic, Spencer Kornharber observa que os roteiristas optaram por realçar a ansiedade dos americanos brancos escolarizados de parecerem intolerantes, esmaecendo a complexidade da questão. “Foi uma mensagem tranquilizadora, para não dizer limitada para a audiência americana mainstream em 2016, afirmar que os conflitos identitários são, em sua maioria, mal-entendidos entre pessoas bem intencionadas”.
De toda forma, cresceu nos últimos anos o clamor por uma escolha maior de atores e atrizes transexuais para representarem seus pares na televisão. Além da temática do próprio Transparent, que mostra os conflitos familiares diante do anúncio do pai (Jeffrey Tambor) de que agora deseja ser conhecido pela identidade feminina, a atriz Laverne Cox despontou como uma das personagens (e atrizes) mais interessantes da série Orange is The New Black, que trata do cotidiano e das histórias das internas de um presídio feminino de segurança mínima.
Aos 32 anos, a atriz mostra uma visão otimista sobre a representatividade trans na televisão. “Acho que demos um primeiro passo. Acredito que ser representada na TV é algo muito importante”, explicou Laverne ao portal iG.
“Hoje, a maioria dos americanos entende que os homossexuais têm o direito de casar. No meu pensamento, essas pessoas mudaram seus corações e mentes por causa desse tipo de representação. Então, é algo realmente poderoso. Mas as políticas públicas também têm que mudar”.
Responsável por encarnar a personagem transgênera Nomi na série Sense8, do Netflix, a atriz trans Jamie Clayton mostra entusiasmo ao obter o papel e, mais ainda, pela oportunidade de ser conduzida por uma diretora e roteirista trans, Lana Wachowski.
Lana é uma das idealizadoras da trilogia Matrix e de V de Vingança, cuja identidade de mulher transgênera passou a ser conhecida do grande público no início deste ano. “Sei que serei protegida e representada de uma maneira que os trans nunca antes foram representados na televisão”, afirmou Clayton.
Tory Oliveira