Nem toda mulher menstrua. Nem toda mulher tem vagina, nem toda mulher é fértil e nem toda mulher opta por menstruar quando tem a opção de não fazê-lo. Independente de ser ou não um período representativo de toda mulher, o assunto continua sendo um enorme tabu na sociedade. Amigas perguntam baixinho para as outras se elas têm um absorvente extra. Marcas inventam milhares de bolsinhas coloridas e discretas para disfarçar os absorventes que levamos na bolsa. Cólica sempre gera um desconforto (físico e social): pra pedir ajuda a um conhecido admito que estou menstruada ou, pior (!), necessariamente estou com caganeira? Se estamos irritadas é TPM, se chorei demais por algo pequeno é TPM, se meu estresse chegou ao pico é TPM, se o chuveiro quebrou é TPM, se você me ofendeu é TPM. Somos ensinadas, desde pequenas, a entender a menstruação como algo que não se comenta com todo mundo e que deve ser escondido sempre que necessário. Que é algo nojento, que somos mais sujas nesse período, que o simples fato de reconhecermos que estamos prestes a menstruar é um motivo válido de chacota na frente dos amigos.
(Lado M, 19/10/2016 – acesse no site de origem)
Moças que menstruam, vocês sabem que não precisa ser assim. Talvez nunca tenham pensado nisso com carinho, ou refletido sobre o que é ou não natural ao corpo humano, mas no fundo no fundo sabemos que não é motivo pra todo esse alarde. Da mesma forma que a menstruação pode ser usada para nos minimizar, ela também pode ser uma ferramenta importante no nosso empoderamento.
Mas antes de qualquer papo sobre as descamações sangrentas do útero e de que forma a gente pode lidar melhor com essa ideia, é preciso frisar mais uma vez: nem toda mulher menstrua. Por opção ou não, não é possível generalizar o momento da menstruação como algo ritualístico que nos torna mulheres ou que deve ser celebrado como o ápice da feminilidade. Ao remontarmos esse acontecimento como algo essencial à figura da mulher, estamos nos resumindo a algo totalmente físico e corpóreo, condizente com um senso comum opressor que impõe a ideia de que a primeira menstruação marca o divisor de águas na vida de uma menina como o momento em que se torna adulta (ou, como é comumente mencionado, mulher). Então, por mais que a forma como lidamos com esse período possa ser empoderadora, não é a melhor ideia generalizar esse hábito como necessário a toda mulher.
Outro ponto importante a relevar quando falamos de empoderamento pelo sangue vaginal é reconhecer que a própria escolha de não menstruar pode ser em si uma forma de empoderamento. Com o avanço da indústria farmacêutica e dos anticoncepcionais, é crescente o número de mulheres que optam por não menstruar, seguindo tratamentos hormonais que impedem o sangramento e evitam que a usuária tenha que lidar com isso. Porém, se a ideia é que lidemos com a menstruação numa boa, por que evitar que isso aconteça também é uma forma de empoderar a mulher que menstrua? Por um simples motivo: é uma escolha dela. Talvez ela deteste tanto menstruar que realmente não queira que essa seja uma parte da sua vida. Talvez ela tenha alguma condição de saúde em que não menstruar seja a melhor opção para o seu bem estar. Ou talvez ela simplesmente se viu livre para escolher e não queira lidar com o trabalho extra todo mês. É uma escolha dela e todas devemos prezar pela nossa liberdade de escolher o que e como acontece com o nosso corpo.
De toda forma, quer dizer que você menstrua e vai continua menstruando, então?
Então você menstrua, sangra lá por uns 3 a 7 dias no mês e nada te deixa mais aborrecida? Ou de repente você nem fica tão aborrecida, mas só de pensar em ter que trocar absorvente a cada não sei quantas horas, ter a possibilidade de manchar roupas que você gosta e lidar com mal humor, dores de cabeça e cólica não te apetece muito?
Não vou dizer que “seus problemas acabaram”, mas existem formas melhores de lidarmos com esse período. Pense assim: ele virá, vai passar, depois vai vir outro, vai passar também, e outro… Pra quê perder tanto tempo e saúde mental se aborrecendo com algo que é natural e saudável do seu corpo e que é certo de que acontecerá várias e várias vezes ao longo de sua vida? Provavelmente o seu ódio pelo sangue que escorre do meio das pernas vem de gerações e gerações de mulheres na sua família que também foram ensinadas a desgostar desse período e que também tiveram que esconder (e talvez muito mais que você) seu sofrimento e seus pensamentos sobre o assunto. Desde pequenas somos afuniladas a entender isso como algo extremamente ruim e não somos concedidas nenhum espaço para que possamos descobrir o que realmente sentimos e o que achamos da nossa menstruação.
Mas como desconstruir algo que já está tão encaixadinho no nosso subconsciente como algo tão ruim? Bom, não existe fórmula mágica para acordar amando a sua menstruação, mas existem algumas dicas que podem te ajudar a chegar lá gradualmente.
– Conheça o seu corpo. Dê um tempo para entender como a menstruação afeta o seu corpo e o que realmente acontece com ele nesse período. Tente identificar todas as mudanças e constâncias por si mesma, sem procurar o que seria “mais comum” ou “regular” na internet ou com outras pessoas.
– Tente compreender o que te faz bem e o que te faz mal nessa época. Isso vale para tudo: comida, hábitos, rotina, assuntos ou até certas pessoas com quem convivemos. Compreender o que torna o período menstrual tão chato pra você é um dos maiores passos que tomamos na direção de transformá-lo em algo perfeitamente cotidiano e fácil de lidar. Procure prestar atenção no que você come, faz, pensa e deseja quando está menstruada. Fica com muita vontade de comer doce? Se aborrece mais lendo comentários machistas naquela página que você gosta do Facebook? Perde interesse por certos programas que você normalmente gosta na TV? Compreenda o que te faz bem e o que te faz mal e trabalhe para atenuar os pontos negativos ao máximo, ao passo que se deleita no que for positivo.
– É só sangue. E nem é aquele sangue super líquido que esguicha da goela de algum coitado num filme de terror, é um sanguinho saudável que saiu da sua vagina porque você não engravidou no seu último ciclo fértil. Se você já tem nojo naturalmente de sangue, talvez esse passo seja um pouco mais complicado para você, mas lidar de uma forma indiferente com o seu sangue menstrual também é uma etapa importante ao lidar melhor com essa fase. Pense na sua menstruação como um fluido como outro qualquer do seu corpo. Baba, suor, cera de ouvido, etc. Não precisa amar, menstruar num pano e enquadrar pra colocar na sala de estar, mas não precisa ser uma tragédia ter que tocar nele. Se incomodou, lava com um pouco de água e já era. Sem drama.
– Experimente novas formas de reter o sangue do contato com a roupa. O que você usa para proteger a roupa de possíveis manchas de sangue? Certamente você está pensando em absorventes externos e internos, mas você sabia que existem outras formas de conter o sangramento? Como seres menstruantes, produzimos um enorme volume de lixo ao menstruarmos, dado que utilizamos pacotes e mais pacotes de absorventes nesse período e mais quantos outros de papel e lencinhos umedecidos nas trocas. Se você já está lidando melhor com o contato com o sangue menstrual, talvez seja a hora de experimentar novas formas de conter o fluxo. Existe todo um mercado desconhecido pela maioria das mulheres de coletores menstruais e absorventes de pano que permitem a reutilização e lavagem, podendo ser utilizados por anos a fio sem que você produza um quilo sequer de lixo extra quando estiver menstruada.
– Solte o verbo: converse com as amigas, com a mãe, com a vizinha, até com os seus conhecidos homens. Falar sobre menstruação é quase tão empoderador quanto lidar bem com a sua própria. Significa que você não só ultrapassou um preconceito pessoal com o período, como também se sente confortável para que os outros saibam que você está passando por ele. Se você ainda é muito tímida e não se vê falando sobre isso para quem quer que seja, comece com amigas mais próximas, pessoas de confiança e, se estranharem o fato de você estar falando sobre isso (até por te conhecerem e saberem que você normalmente não falaria sobre isso), comente que você não vê problema no assunto e siga em frente. O importante é você estar confortável e se sentir livre para falar e agir como quiser mesmo quando o assunto é esse.
– Abra as pernas e a mente. Se você namora, pode conversar com o seu parceiro não menstruante sobre como você se sente em relação à sexualidade quando está menstruada. Seu tesão diminui? Aumenta? Não surte efeito? É importante que o seu parceiro saiba como você se sente e respeite a sua escolha e os seus pensamentos sobre sexo durante a menstruação. Esse diálogo é importante até para que ele quebre o próprio preconceito enraizado sobre esse tabu que é meter em vagina menstruada. Ninguém está pedindo para que ele beba a sua menstruação de canudinho, mas pô! Se você está de boa, cheia de amor pra dar e ele não quiser fazer por puro nojinho, tá na hora de conversar um pouco a respeito, até porque sexo não se resume a penetração: dá pra fazer uma série de outras coisas que nem vão entrar em contato com o sangue.
Essas são apenas algumas das milhares de dicas que você pode encontrar por aí para lidar melhor com a menstruação. Há quem diga que você pode reservar certos pratos ou hábitos para serem aproveitados somente quando se está menstruada, transformar o ato de menstruar em um ritual, aproveitar o período como inspiração artística, enfim: vale tudo se for pra te fazer se sentir confortável com algo que é super natural e não precisa ser sacrifício pra ninguém.