Estão em julgamento nos Tribunais Superiores ações envolvendo transexuais. No STF, discute-se o direito ao uso do banheiro feminino em shopping center por alguém registrado como do sexo masculino. No STJ, a controvérsia versa sobre o direito à mudança de nome e sexo no registro civil, independentemente de cirurgia de redesignação.
(O Estado de S. Paulo, 10/11/2016 – acesse no site de origem)
No Direito, a noção de estado individual inclui, além da capacidade e da nacionalidade, o sexo da pessoa, a partir do genital visualizado no nascimento. A partir daí, ergue-se um estatuto jurídico específico, que envolve obrigações e direitos diferentes para homens e mulheres, como serviço militar obrigatório e idade para aposentadoria. Para além do Direito, o sexo de nascimento cria expectativas familiares e sociais e é complementado por prescrições culturais de comportamentos, que variam do maneirismo ao vestuário.
Transexuais são cidadãs e cidadãos que sentem um desconforto com o papel social esperado do corpo sexuado.
Invisíveis no ordenamento jurídico nacional, transexuais reivindicam o reconhecimento de que pertencem ao gênero oposto e postulam o deslocamento da fonte da qualificação jurídica: do genital para a identidade de gênero autodeterminada.
Suas demandas desafiam os paradigmas binários e imutáveis do sistema e são revolucionárias, na medida em que problematizam as identidades masculina e feminina culturalmente estabelecidas.
O reconhecimento jurídico e a consagração de direitos a trans são realidades na Espanha, Inglaterra e Portugal e nos vizinhos Argentina e Bolívia, por exemplo. A Corte Europeia de Direitos Humanos possui jurisprudência consolidada na reprovação dos países que lhes negam direitos. As ações em julgamento no STJ e no STF podem alterar a forma como o Direito brasileiro trata transexuais.
Afinal, a existência e o constrangimento enfrentado por essas pessoas são reais, assim como a oportunidade de dar um passo em direção à tutela de suas vidas e dignidades, em prol da tolerância e da inclusão, pelo menos no campo simbólico do Direito.
Camila de Jesus Mello Gonçalves é professora da FGV Direito SP