A violência contra a mulher é pauta constante no país em que pelo menos uma em cada cinco mulheres diz ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem conhecido ou desconhecido. Porém, entre as mulheres que trabalham vendo essa violência de perto – as policiais – ela ainda é assunto velado, sutil, difícil de ser discutido. Ninguém quer falar sobre e quem denuncia pode arriscar a carreira nisso.
(Sul21, 21/11/2016 – acesse no site de origem)
Ainda assim, Neiva Carla Back Leite resolveu levantar o tapete e falar sobre a violência de gênero que acontece dentro das instituições. Na próxima sexta-feira (25), o Sindicato dos escrivães, inspetores e investigadores de polícia (Ugeirm) promove o 1º Seminário Construindo a identidade feminina na segurança pública com título “Vamos falar de nós”. A iniciativa foi capitaneada pela diretora de gênero do sindicato.
“Desde que eu assumi como diretora de gênero e também pelo que vi em todos os meus anos na polícia, nós não temos visibilidade. A mulher na Polícia Civil é invisível, principalmente escrivãs, inspetoras. Somos vítimas de uma violência de gênero que está em toda a sociedade e se reflete também dentro da segurança pública”, explica Neiva. O encontro deve reunir mulheres policiais de diversas corporações – Polícia Civil, Brigada Militar, Susepe, Corpo de Bombeiros – e vindas de diferentes partes do Estado.
Para entender como uma mulher policial pode se sentir excluída, tem que entender a estrutura da polícia como é hoje. Dentro de uma delegacia, por exemplo, mulheres em cargos de chefia são exceções raras da regra. “Tanto que até hoje não tivemos uma Chefe de Polícia mulher. As delegadas são sempre representadas pelo estereótipo de batom e salto alto e isso não nos representa”, diz Neiva.
Ela ainda complementa: “Quando a gente entra para a instituição tem que provar que sabe atirar tão bem ou melhor que homem, raramente nas investigações. Parece que é uma escolha nossa, mas na verdade é montada para que seja assim. Também quando temos filhos, [a policial] é altamente discriminada, como se fosse de segunda linha”.
Apesar de a Polícia Civil ter sido a primeira instituição de segurança pública a aceitar mulheres no Rio Grande do Sul, ainda no início dos anos 1970, 40 anos depois elas ainda continuam sendo “cidadãs de segunda classe”. “É como se fossemos um puxadinho, nada foi mudado durante todo esse tempo para nos receber, nos atender aqui dentro. Somos como um apêndice”, diz Neiva.
Pesquisa mostra que o discriminação não é só assédio
Uma pesquisa recente realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre “As mulheres nas instituições policiais”, ouviu 13.055 policiais entre homens e mulheres. O resultado mostra que a discriminação vai além da violência e que o machismo não é exclusividade dos colegas homens. Ele pode se esconder nos detalhes.
Como, por exemplo, no fato de que 65% das mulheres policiais nunca exercerem uma atividade fora da sua profissão e 75,4% delas serem responsáveis pelas tarefas domésticas em seu tempo livre. Enquanto isso, 50% dos policiais homens “exercem outra atividade remunerada ocasionalmente ou sempre”.
Ou ainda no fato de que apenas 39,7% das policiais diz ter colete à prova de balas com modelagem apropriada à sua anatomia e 43,3% relata não ter equipamento de proteção individual (EPI) apropriado à disposição.
O problema se estende para as oportunidades apresentadas às mulheres dentro das corporações. Enquanto 76,8% das mulheres policiais possuem ensino superior completo e/ou pós-graduação, entre os homens essa estimativa cai para 56,7%. Ainda assim, 38% dos policiais homens acreditam que as mulheres trocam favores sexuais para ascender dentro da carreira. Um dado ainda pior: 40,4% das mulheres concordam com a afirmação.
Além, é claro, do problema mais difícil de ser tocado: o assédio. Quase 40% das policiais mulheres que responderam ao questionário – 39,2% delas – dizem já ter experimentado assédio moral ou sexual dentro da sua instituição de trabalho. Dessas, 74,1% diz que o assédio partiu de um superior hierárquico. Apenas 11,8% delas afirmam ter registrado queixa.
Uma das propostas do encontro de sexta, além de criar um espaço para ouvir as experiências das mulheres policiais, será debater ferramentas e mudanças que possam fazer com que a estrutura de segurança pública inclua integralmente as mulheres. E que elas possam ser mais do que figurantes dentro da própria profissão.
Mais informações sobre inscrições e a programação do 1º Seminário Construindo a identidade feminina na segurança pública, veja aqui.
Fernanda Canofre