Essa foi a suspeita lançada pelo pesquisador americano Ian W. Lipkin sobre as complicações da exposição de fetos ao Zika
(Folha PE, 27/11/2016 – acesse no site de origem)
Assim como outras infecções congênitas, o zika também pode causar transtornos mentais como autismo, esquizofrenia e DAH (déficit de atenção) em bebês. O alerta foi dado pelo professor Ian W. Lipkin, diretor do Centro para Infecções e Imunidade da Universidade de Columbia (EUA). O especialista vem chamando a atenção para esta possibilidade e reforçou a necessidade do Brasil monitorar as crianças que nascem de mães expostas ao vírus, mesmo que não apresentam microcefalia.
A suspeita se baseia em pesquisas anteriores sobre o desenvolvimento de doenças mentais quando o feto é exposto a outros vírus, bactérias e toxinas. Lipkin acredita que a epidemia de zika pode ocasionar explosão desses transtornos. Em Pernambuco, especialistas veem a possibilidade com cautela, mas não descartam a hipótese do colega americano.
Já há registros na literatura médica que infecções maternas de qualquer tipo representam 6% de todos os casos de esquizofrenia. Outras observações também indicam que doenças mentais podem estar ligadas à rubéola, herpes e influenza e à toxoplasmose.
Lipkin já atestou essas doenças ao acompanhar crianças norueguesas em 1999. Para ele, as autoridades de saúde devem ficar preparadas, apesar de não haver ainda provas oficiais da implicação do zika nesses quadros descritos acimas.
O médico e consultor do Ministério da Saúde para arboviroses, Carlos Brito, acha possível a relação entre o vírus e os transtornos mentais. “O zika tem formas não tão evidentes. A gente já sabe hoje que há variações de apresentação dele no sistema nervoso central. Essa é minha opinião pessoal, também baseada no que já foi descrito em outras infecções congênitas”, disse.
Brito avaliou que nesta variedade de danos o impacto do vírus pode não ser tão perceptível, como é na microcefalia com a diminuição do crânio dos bebês, nem com exames de imagem, como ressonância. “As crianças podem ter danos que só serão conhecidas ao longo do 1ª ou 2ª ano do desenvolvimento”, afirmou.
Para o consultor é primordial que todos os bebês, com ou sem microcefalia, filhos de mães que apresentaram sinais suspeitos de zika sejam acompanhados pelo menos até os dois anos de vida.
O governo brasileiro se comprometeu em monitorar os bebês até os três anos, e em Pernambuco a indicação é de cinco. “Não seria uma surpresa”, avaliou o secretário de Saúde do Recife e pediatra, Jailson Correia, sobre a possibilidade da ocorrência do autismo. O gestor comentou que a avaliação mais sensíveis dos bebês deve virar regra.
A neuropediatra Ana Van der Linden, do IMIP, diz ser difícil caracterizar, por exemplo, o autismo nas crianças nascidas com microcefalia sugestiva de zika. “Os casos que estamos tendo são tão intensos, graves, que dizer se o paciente tem autismo ou não é difícil”, comentou sobre a condição geral dos danos neurológicos.
Mesmo nos bebês que nasceram com o tamanho da cabeça normal, mas que tiveram contato com o vírus na gestação, determinar o autismo por zika é complicado devido à fragilidade dos testes sorológicos atuais. A neuropediatra explicou que o autismo é um transtorno do desenvolvimento cerebral, que ainda não tem todos os mecanismos conhecidos.
“O que se sabe hoje é que é um distúrbio no desenvolvimento cerebral. Não do ponto de vista de lesões. Quando você faz ressonância, o cérebro está normal. Mas, no cérebro a gente não tem só matéria, têm líquidos também, que são os neurotransmissores. E é exatamente nesses neurotransmissores que se admite que esteja a causa do autismo”, explicou. Ela complementou que alguns transtornos ocorrem por falhas nas ligações em rede dos neurônios (sinapses).
Tratamento
Mesmo sem cura, até então conhecida, o autismo pode ter seus sintomas minimizados quando é descoberto precocemente. “As terapias podem modificar as sinapses. Se você estimula um paciente em relação à linguagem, ao comportamento, no cérebro que tem capacidade ainda de se modificar, o resultado é melhor”, apontou.
A especialista exemplificou que nos Estados Unidos pediatras são orientados a descrever comportamentos suspeitos das crianças a partir do 1ª ano de idade e em caso de necessidade iniciar a investigação para o autismo. Para tanto o profissional conta com a participação das famílias para perceber sinais de alerta.
“No autismo estamos diante de uma criança que aparentemente é ‘normal’, tem um desenvolvimento motor razoável, mas não interage. A criança desde bebê já olha para mãe quando está mamando. Com três meses interage. Mas isso não acontece com o autismo”, disse.
A Secretaria Estadual de Saúde (SES) não foi notificada da possível relação entre zika e transtornos mentais em bebês. Também não há dados oficiais ainda se houve aumento de casos de crianças com autismo, esquizofrenia e DAH de 2015 para 2016.
Pais
A presidente da Associação de Famílias para o Bem-estar e Tratamento da Pessoa com Autismo (Afeto), Ângela Lira, mãe de uma jovem de 18 anos que tem autismo destacou que o transtorno apresenta-se de várias formas e tem gatilho diversos. “A doença está sempre se modificando. Só com o tempo é que vamos consegui entender essas possibilidades. Porque neste momento nada é definitivo”, avaliou sobre a relação zika e autismo.
Para ela, o mais importante nas famílias com bebês já identificados com microcefalia, ou outra apresentação neurológica do zika, é a realização de um trabalho coordenado das terapias de estimulação. “É preciso todos trabalhando juntos. Equipes trabalhando como orquestra. O que é importante para a microcefalia é que tem que ser uma equipe multidisciplinar unida. Uma hora o maestro vai ser o fonoaudiólogo, outra hora o psicólogo, na outra hora o terapeuta ocupacional”.
A psicopedagoga Monalisa Costa comentou que algumas pessoas com autismo têm alterações no cérebro que dificultam o processo de estímulo-resposta, mas que ainda é cedo precisar se o zika é capaz de provocar tais danos neste circuito comportamental.