Memória: 40 anos do feminicídio de Ângela Diniz

31 de dezembro, 2016

O assassinato da socialite Ângela Diniz, de 32 anos, em 30 de dezembro de 1976 na praia de Búzios, Rio de Janeiro, causou intensa comoção social e foi um dos primeiros casos de feminicídio íntimo a ganhar ampla repercussão na imprensa e a mobilizar o movimento de mulheres no país.

Morta pelo namorado Doca Street com quatro tiros à queima-roupa após uma discussão, Ângela Diniz era apresentada pela imprensa como a “pantera de Minas”, mulher bonita, fútil e egoísta, que seduzia e abandonava os homens e fez de Doca mais uma de suas vítimas.

Inocentado no primeiro julgamento por ‘legítima defesa da honra’, Doca foi novamente julgado dois anos depois, após intensa pressão dos movimentos de mulheres, que criou o slogan que se tornou um símbolo da rejeição ao termo ‘crime passional’: “Quem ama não mata”. No segundo julgamento, Doca Street foi condenado a 15 anos de prisão.

Nestes 40 anos desde o feminicídio de Ângela Diniz, o jornal O Globo dá acesso a seu acervo de matérias sobre o caso. Clique aqui para acessar

Por Agência Patrícia Galvão

(O Globo, 29/12/2016 – acesse no site de origem)

Um crime passional em Búzios abalou a sociedade brasileira no penúltimo dia de 1976. No início da noite de 30 de dezembro, Doca Street, de 40 anos, matou com quatro tiros de pistola Ângela Diniz, com quem vivia havia apenas três meses. Ela, contaram os amigos, pretendia se separar de Doca, por não suportar o ciúme doentio do companheiro.

Ângela tinha 32 anos e uma vida de princesa. Adolescente típica de classe média mineira, já tinha a alcunha de “pantera de Minas” quando se casou com o engenheiro Milton Villa- Boas Filho, união da qual saiu, dez anos depois, sem traumas e com muito dinheiro. Doca era neto do empresário paulista Jorge Street, que fizera fortuna nos anos 30. Aventureiro sem trabalho fixo – havia muito deixara de ter dinheiro – já se havia empregado como acompanhante de mulheres ricas em Miami, vendedor de carros e corretor imobiliário. Era sustentado pela ex-mulher Adelita Scarpa, filha de um milionário paulista.

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Tribunal. Doca Street (sentado) acompanha a sua defesa feita pelo advogado Evandro Lins e Silva, que conseguiu sua absolvição em primeiro julgamento, sob alegação de ‘legítima defesa da honra’ (Foto: Sebastião Marinho, 17/10/79/Ag. O Globo)

O primeiro julgamento, em 1979, terminou com o tribunal do júri absolvendo o réu e condenando a vítima. Ângela Diniz foi descrita pelo advogado de defesa de Doca, o criminalista Evandro Lins e Silva, como uma “Vênus lasciva”, “dada a amores anormais” – referência a um caso homossexual que teria tido. Lins e Silva conseguiu convencer os jurados de que seu cliente agira “em legítima defesa da honra”. A sentença: dois anos de prisão, que não cumpriu, pois foi beneficiado por sursis. O julgamento, em Cabo Frio (cidade da qual Búzios era distrito), assemelhou-se a um programa de auditório, com claque ruidosa e cobertura inédita da imprensa.

Dois anos depois, Doca foi a novo julgamento, por causa da reação da sociedade. O movimento feminista no Brasil estava em seu auge, brigando contra a impunidade de homens que, como Doca, haviam matado mulheres, e cunhou um slogan famoso: “Quem ama não mata”. Quando Doca foi julgado pela segunda vez, a opinião pública estava mobilizada para condená-lo – e vibrou quando ele pegou 15 anos de prisão.

Búzios. Doca Street e Ângela Diniz na Praia dos Ossos, poucas horas antes do crime: novo julgamento condenou o playboy

Búzios. Doca Street e Ângela Diniz na Praia dos Ossos, poucas horas antes do crime: novo julgamento condenou o playboy (30/12/1976 / Agência O Globo)

 

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