Sidnei Ramis de Araújo é autor da chacina de ano-novo em Campinas. Matou Isamara Filier, com quem foi casado, e seu filho, João Victor. No ímpeto de ódio, matou outras nove pessoas da família, com preferência pelas mulheres. Antes de pular o muro da casa e iniciar a matança escreveu uma carta – nela, as mulheres são vadias; os homens, vítimas de leis injustas. Sidnei fez da carta um apelo a que outros homens reajam contra o que descreve como “feminismo das vadias”, pois espera que pais se inspirem e “acabem com as famílias das vadias”.
(Huffington Post, 02/01/2017 – acesse no site de origem)
Não me cabe julgar ou diagnosticar Sidnei. Ele mesmo se pergunta se estaria louco, e a sentença comum é que “só um louco faria o que ele fez”. A loucura parece explicar o horror e, ao mesmo tempo, nos acalmar, tornando Sidnei alguém distante de nós. Pode até ser que Sidnei seja daquelas figuras que os manuais de psiquiatria descrevem como “psicopata”, mas a loucura não explica as raízes da fantasia misógina do matador. Psicopata ou macho enfurecido, Sidnei matou Isamara e sua família porque não suportou a separação, porque não reconheceu a força da lei penal contra seu abuso patriarcal, porque se viu sem o mando doméstico como soberano.
Sidnei explicou para o mundo as razões de sua fúria – a autoridade patriarcal foi desafiada quando Isamara o deixou, quando o denunciou à polícia, quando afastou-se do casamento. Sua confissão é lúcida ao nos mostrar o mundo de ódio ao feminismo, às vadias, à independência das mulheres. O enredo é já conhecido como de autoria de grupos masculinos, autoritários e abundantes nas redes sociais: os mesmos que defendem a liberação das armas, que ironizam os movimentos de direitos humanos, que descrevem a cadeia como hotel de relaxamento. Foi para eles que Sidnei escreveu a carta – uma espécie de reconhecimento das razões de se fazer matador na noite de ano novo. O sarcasmo depreciador movimenta paixões ensandecidas: Sidnei matou e fez de suas razões um espetáculo, pois sabia que teria plateia.
É para os homens que Sidnei imaginou que convocaria à matança que faço outro apelo. A chacina será investigada pela polícia, mas o enredo da confissão deve lhes causar vergonha. A misoginia, o ódio às mulheres, deve ser prática abominada – não é liberdade de expressão, mas incitação ao ódio. Para alguns, o ódio permanece nas palavras; para outros, como Sidnei, o ódio é uma arma que mata. Homens, não sejam cúmplices do matador de ano-novo: se não suportam ver as mulheres livres e independentes em 2017, ao menos se silenciem. Deixem as mulheres em paz.
Debora Diniz é antropóloga, professora de Direito e documentarista.