Organizações feministas e movimentos sociais que defendem os direitos da mulher organizam ações de repúdio contra o crime do técnico de laboratório Sidney Ramis, de 46 anos, que invadiu a casa onde a ex-esposa, Isamara Fillier, de 41 anos, comemorava o Ano-Novo com amigos e parentes, em Campinas. Ele matou Isamara, o filho João Victor, de 8 anos, e outras dez pessoas. Das 12 vítimas, nove eram mulheres.
(Radioagência Nacional, 04/01/2017 – acesse no site de origem)
Nessa terça-feira (3), 67 organizações nacionais e internacionais e 44 advogadas envolvidas na defesa dos direitos da mulher divulgaram nota afirmando que houve negligência do Poder Público na proteção à Isamara. A nota lembra que, ao longo de 10 anos, Isamara registrou cinco boletins de ocorrência contra o ex-companheiro por agressão e ameaça, e por abuso sexual contra o filho. O período coincide com a aprovação da Lei Maria da Penha. Em cartas e áudios deixados por Sidney, ele zomba da lei, que chama de Vadia da Penha – a mesma expressão usada para se referir à ex-mulher e outras mulheres da família de Isamara.
Para a advogada Mariana Mei, que é de Campinas e também assina a nota, a narrativa construída por Sidney encontra eco na sociedade e nas instituições públicas brasileiras.
Sonora: “Essa questão da mulher procurar ajuda, procurar delegacias e não conseguir medida protetiva, não é inédito. É recorrente. O que acredito que é um pouco diferente, o que mais chama atenção nesse caso é justamente toda uma narrativa construída para dar uma justificativa ideológica para aquilo que o ex-marido dela cometeu. Uma justificativa que é aceita e é reproduzida por parte da sociedade, como a gente vem acompanhando nas redes sociais e até nessas mensagens de Whatsapp que circulam. Eu ouvi de muitas pessoas: Ah! Enfim, será que a culpa não foi dela? Será que ela não inventou essa história do abuso da criança? Assim… como se alguma coisa justificasse alguém entrar numa festa de réveillon e atirar contra todas as pessoas que estão ali presentes com o objetivo de matar.”
Para reforçar o argumento, Mariana lembra de casos como a menção de repúdio aprovada pela câmara de vereadores de Campinas, por 25 votos a CINCO, contra a questão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio de 2015 (Enem), que citou a filósofa e feminista francesa Simone de Beauvoir.
Sonora: “Eu acho que existe uma responsabilidade sim, moral, do Poder Público de uma maneira geral. Tanto do executivo, quanto do legislativo e muitas vezes do judiciário, na medida em que também negligenciam um pouco esses pedidos de ajuda que chegam ali nos guichês da polícia, nas delegacias da mulher.”
Em Campinas, está sendo organizada uma passeata para esta quinta-feira (5). O ato é encabeçado pelo Centro de Referência e Apoio à Mulher (Ceamo), ligado à prefeitura da cidade. Segundo Elza Frattini Montalli, coordenadora do centro, o objetivo é prestar solidariedade, mas também reforçar a luta contra o machismo.
Sonora: “Neste momento, a gente procura expressar nossa solidariedade aos familiares e aos amigos da vítima. Nós queremos também manifestar nosso repúdio à banalização da violência contra as mulheres. Nós estamos, no momento, em choque, pelo fato acontecido, por esse feminicídio, que choca, que nos atinge também a todas nós mulheres, acho que toda a sociedade. Nosso intuito é reafirmar a nossa luta pelo combate à violência, pelo combate à cultura machista, para a implementação de projetos de educação, projetos que trabalhem mais a prevenção, mostrando nossa indignação contra esse fato, e de certa forma dizer que nós não recuamos, que nós todas, mulheres, tanto os movimentos, quanto a sociedade civil, estamos dispostas a encarar a violência e fazer o que possível para mudar essa cultura machista e patriarcal que a gente vive, não só aqui em Campinas, mas no Brasil todo.
Tanto a coordenadora da Ceamo, como outras feministas, como a blogueira Lola Aranovich, reivindicam que o crime deixe de ser chamado de chacina e passe a ser adotada a expressão feminicídio para se referir à tragédia de Campinas.
Por Eliane Gonçalves