Indicação de negros ao Oscar ajuda a combater estereótipos, dizem pesquisadores

29 de janeiro, 2017

Em contraste à cerimônia de 2016, que foi marcada pela ausência de negros na premiação, o número recorde de artistas negros concorrendo ao Oscar 2017 surpreendeu o público, a indústria e os estudiosos do tema. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil acreditam que o constrangimento causado por campanhas antirracismo nas indicações do ano passado e o contexto político atual nos Estados Unidos podem ter influenciado a decisão dos mais de 6 mil jurados do prêmio.

(Agência Brasil, 29/01/2017 – acesse no site de origem)

Apesar da mudança não significar que a indústria cinematográfica tenho aberto de vez as portas de Hollywood a profissionais não-brancos, os analistas avaliam que é uma oportunidade de divulgar artistas e filmes feitos do ponto de vista dos afro-americanos. “Esse ano, particularmente, foi mais interessante porque não ficou só na representação (indicação de atrizes/atores), ampliou-se para outras áreas, para produtor, diretor, edição”, destacou o antropólogo Athayde Motta, que estuda o tema.

Um ano depois da campanha que denunciou a ausência de afro-americanos no Oscar e fez barulho com a hashtag #OscarSoWhite, o que levou a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas a diversificar o júri, pela primeira vez, seis negros foram indicados aos prêmios principais, de melhor ator e atriz.  Barry Jenkins ainda concorre na categoria de melhor direção pelo longa Moonlight: sob a luz do luar.

São pelo menos 18 negros indicados ao Oscar 2017 em várias categorias. O recorde anterior havia sido sete, em 2009, segundo Motta. “Essa sempre foi uma reclamação da comunidade artística afro-americana, é impossível ficar esperando pelo convite para o papel que vai te dar o Oscar. Cinema é pensar diálogos, a produção, a fotografia se você não tiver pessoas negras atuando nessas áreas, fica muito difícil”, completou ele, que fez mestrado na Universidade do Texas e morou dez anos nos Estados Unidos (EUA), onde estudou o racismo.

Contexto político

Além dos protestos após a falta de negros nas indicações de 2016, o contexto político dos EUA também influencia o novo cenário, na avaliação do professor. Entre os fatos estão a eleição do presidente Republicano Donald Trump, que substituiu o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, e a repercussão de movimentos como o Black Lives Matter, que  denuncia a violência policial.

Para ele, a sensibilidade dos jurados e o contexto do país, no entanto, não seriam suficientes se não houvesse grandes performances de negros em 2016. Concorrendo em três categorias (melhor filme, roteiro adaptado e atriz coadjuvante), um dos destaques é Estrelas Além do Tempo, um filme de grande sucesso nos EUA que desbancou a bilheteria de Star Wars. Contando a história de mulheres negras fundamentais ao programa espacial daquele país, o filme colocou Octavia Spencer, atriz que ficou conhecida pelo filme História Cruzadas, na lista de indicações pela segunda vez.

Octavia Spencer concorre ao Oscar de melhor atriz coadjuvante

Octavia Spencer concorre ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme Estrelas Além do Tempo (Foto: Divulgação)

Imagens estereotipadas

A historiadora e pesquisadora Janaína Oliveira, coordenadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (Ficine), concorda com Motta que o recorde de indicações está relacionado ao bom trabalho dos atores.“Diria até uma resposta ao constrangimento de 2016”, disse. Porém, vê nas indicações uma chance de desconstruir estereótipos sobre negros que foram criados ou difundidos por Hollywood.

Nos primórdios do cinema, ela cita o personagem Pai Tomás (Uncle Tom), da adaptação do clássico da literatura a Cabana do Pai Tomás (1909), retratado de uma maneira pejorativa, acomodado e subserviente, e “mammy”, a escrava de Scarlet O’Hara, de …E o Vento Levou(1939), interpretada por Hattie McDaniel (ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante). Além de secundária, “mammy” era resignada em relação à sua condição.

“Das imagens contemporâneas, podemos dar milhares de exemplos de mulheres negras raivosas, barraqueiras, lascivas, de homens negros com uma pulsão sexual incontrolável, que sempre querem a mulher branca como objeto de desejo e, não conseguindo, acabam por violentá-la. Ou como bandido, traficante, aquele que trapaceia. Todos esses estereótipos estão presentes no cinema”, afirmou Janaína, que atua também como curadora de mostras nacionais e internacionais de cinema negro.

Por outro lado, com as indicações ao Oscar, a pesquisadora acredita que os filmes com indicados negros, como Cercas, do ator e diretor Denzel Washington, indicado em quatro categorias (melhor filme, roteiro adaptado, melhor ator para Washington, e atriz coadjuvante para Viola Davis), ainda sem data de lançamento no Brasil, terão mais chance de serem vistos pelos públicos. “Para o mundo, acredito que vai haver contato com produções com protagonistas negros e personagens desenvolvidos”, citou.

Com oito indicações ao Oscar, outro longa sobre questões raciais que terá espaço certo é Moonlight: sob a luz do luar, de Barry Jenkins. A trama, sobre os desafios de um jovem negro no subúrbio de Miami foi eleito o filme do ano pela Associação de Críticos de Nova Iorque e de Los Angeles e ganhou o Globo de Ouro de melhor Drama.

Para Athayde Motta, permanece o desafio da Academia de cinema de naturalizar a presença de negros. Este ano, avalia, houve uma combinação de performances de destaque com uma quantidade relevante de filmes bons. “Isso não acontece todo ano nem nas indicações normais. Tem edição em que o Oscar é de filmes muito fraquinhos, mornos”, explicou.

De fora do Oscar

Apesar dos recordes, os especialistas lamentam que a academia tenha deixado de fora da competição o aclamado drama O Nascimento de uma nação, do também diretor negro Nate Parker. O longa apresenta uma versão sobre a fundação dos EUA, retratando uma rebelião de pessoas negras escravizadas no sul do país, região marcada pela segregação e pela atuação de supremacistas brancos. Trata-se da versão oposta ao clássico do cinema de mesmo nome do diretor David W. Griffith, de 1915, um marco também do racismo.

“É o primeiro blockbuster de Hollywood. É um filme que é um clássico, traz várias inovações tecnológicas, faz filmagem noturna, planos simultâneos, só que a história da versão de David W. Griffith é o sobre o surgimento da Ku Klux Klan”, pontua Janaína Oliveira. No longa, homens negros são tratados de forma bestializada e são hostilizados pela população branca, conforme a pesquisadora.

Documentários

Além das indicações de melhor filme, concorrem na categoria documentário três longas que também tocam na questão racial, de um total de cinco. O I am not your negro, sobre um dos maiores intelectuais americanos, o escritor negro e gay, James Baldwin; A 13ª Emenda, que relaciona o fim da escravidão às políticas de segurança que aumentaram o encarceramento de afrodescendentes e O.J.: Made in America, sobre o julgamento do jogador de futebol acusado de matar a esposa.

Isabela Vieira; Edição: Amanda Cieglinski

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