Pesquisadora de universidade americana reuniu evidências que refutam a tese de que fêmeas têm comportamento sexual monogâmico e ‘recatado’
(Nexo, 31/01/2017 – acesse no site de origem)
A crença de que homens são promíscuos e que mulheres têm um comportamento sexual mais cauteloso e recatado é disseminada culturalmente. Alguns biólogos, antropólogos e psicólogos defendem que diferenças no comportamentos sexual de machos e fêmeas, mesmo no caso dos seres humanos, têm raízes biológicas.
Em um artigo para o site “The Conversation”, no entanto, a professora emérita de biologia da Universidade Missouri-St. Louis, nos Estados Unidos, Zuleyma Tang-Martinez mostra que dados atuais desbancam pesquisas do século passado que justificaram a diferença das práticas sexuais de homens e mulheres por meio da biologia. Outros cientistas também começaram a questionar a tese a partir dos novos dados.
A biologia e o comportamento sexual
A tese de que as diferenças no comportamento sexual de machos e fêmeas têm causas “naturais” se baseia, em parte, na quantidade e no custo energético da produção de óvulos e espermatozoides. A associação entre a diferença das células reprodutivas masculinas e femininas e o comportamento sexual de machos e fêmeas foi feita pela primeira vez por Charles Darwin.
A ideia, que em Darwin era uma breve menção, foi expandida por outros cientistas. Eles formularam o raciocínio de que, se os homens produzem milhões de espermatozoides, o custo biológico de copular com várias fêmeas diferentes é baixo. As fêmeas, por outro lado, produzem poucos óvulos a um custo energético alto para o organismo, porque os óvulos são mais complexos e contêm nutrientes, o que as levaria a serem mais seletivas e restringir a cópula a um macho alfa.
Em 1948, o geneticista inglês Angus Bateman foi o primeiro a testar a hipótese de Darwin sobre as diferenças de comportamento entre os sexos. Bateman conduziu um experimento com moscas drosófilas, que foram colocadas em frascos para se reproduzirem durante alguns dias.
Uma de suas conclusões mais importantes foi que o sucesso reprodutivo das moscas macho, medido pela quantidade de descendentes adultos gerados, aumentava de acordo com o número de parceiras diferentes. O sucesso reprodutivo das drosófilas fêmeas, ao contrário, era maior quando se reproduziam com o mesmo parceiro. Bateman afirmou que isso era uma característica praticamente universal entre espécies que se reproduzem de maneira sexuada.
Em 1972, um outro biólogo, chamado Robert Trivers, referendou a conclusão de Bateman ao formular a “Teoria do investimento parental”. Segundo a tese, o custo da produção de espermatozoide é tão baixo que fez com que machos evoluíssem para abandonar a parceira e buscar outras fêmeas para procriar.
O “investimento” feminino necessário para a produção de óvulos é muito maior e, portanto, segundo Trivers, faz com que as fêmeas sejam monogâmicas e fiquem para trás a fim de cuidar da prole quando o macho sai em busca de outras parceiras sexuais. Trivers também acreditava que isso era verdade para a maioria das espécies que se reproduzem de forma sexuada.
Por que a tese está sendo desmontada
O CUSTO DE PRODUÇÃO
Em um estudo publicado na revista científica da Universidade de Chicago “The American Naturalist”, o especialista em psicologia comparativa Don Dewsbury argumenta que um macho precisa produzir milhões de espermatozoides para que a fertilização de um único óvulo ocorra. Por isso, a comparação do custo energético deve ser feita entre a produção de um óvulo e a enorme quantidade de espermatozoides necessária para que um deles consiga realizar a fecundação — e não entre um óvulo e um espermatozoide. Há ainda componentes do sêmen cuja produção tem alto custo energético. Além disso, o esperma não é ilimitado e pode ser esgotar.
MACHOS ‘ADMINISTRAM’ SÊMEN
A quantidade de esperma liberada pelos machos depende da idade, saúde e outras condições da fêmea, o que indica que também há uma seleção de parceiras feita pelos machos. E há o caso de uma espécie de grilo em que os machos se recusam a copular com a maioria das fêmeas disponíveis em busca da mais fértil.
O CASO DOS PÁSSAROS
Há algumas décadas, a maioria das espécies de pássaros cantantes era tida como monogâmica. Hoje, apenas 7% são classificadas dessa forma. Pesquisas mais modernas mostraram que, em várias espécies, machos e fêmeas copulam e originam descendentes com vários parceiros. Isso acontece não só entre os pássaros, mas em todo Reino Animal, segundo o livro “Promiscuidade: Uma História Evolutiva da Competição por Esperma”, de 2000.
A hipótese de que fêmeas copulam com outros parceiros por coerção desses machos também foi desmontada por meio da observação do papel ativo que elas desempenham na busca de outros parceiros para a cópula.
O SUCESSO REPRODUTIVO DE FÊMEAS
Diferentemente da hipótese de Bateman, estudos recentes mostram que também há benefícios para a continuidade genética, em várias espécies, de fêmeas promíscuas.
O que isso tem a ver com os seres humanos
Os experimentos que pretendiam observar o comportamento sexual de machos e fêmeas foram feitos em determinadas espécies de animais, mas tiveram impacto nas afirmações feitas sobre o comportamento de homens e mulheres ao longo do tempo.
Tang-Martinez chama atenção para a influência da Era Vitoriana (de 1837 a 1901) na produção científica de Charles Darwin, a partir da qual Bateman e Trivers desenvolveram suas pesquisas.
As normas sociais do período e a ciência, segundo ela, estavam estreitamente interligadas. “A crença comum era de que homens e mulheres eram radicalmente diferentes. Além disso, atitudes relativas às mulheres vitorianas influenciaram crenças sobre fêmeas não humanas. Homens eram considerados ativos, combativos, mais mutáveis, evoluídos e complexos. Mulheres eram vistas como passivas e carinhosas”, escreve.
Esse ambiente cultural influenciou, segundo a bióloga, as perguntas feitas pelos cientistas e a maneira de encarar machos e fêmeas de todas as espécies.