Em entrevista ao Catraca Livre, a cantora fala sobre a importância das mulheres denunciarem casos de assédio no Carnaval — e em qualquer época do ano
(Catraca Livre, 02/02/2017 – acesse no site de origem)
Valesca Popozuda é uma mulher de luta. Quando ainda era criança, protegeu a mãe contra o padrasto que, embriagado, tacou fogo no corpo dela. Antes de completar 18 anos, a funkeira carioca já havia saído de casa e trabalhado em lanchonete, borracharia, posto de gasolina e até como figurante da TV Globo.
Aos 19, começou a dançar na Gaiola das Popozudas, tornando-se mais tarde a líder e vocalista do grupo de funk. Foi só aos 34 que ela decidiu se lançar em carreira solo, quando já era aclamada como “a rainha do funk” e tinha virado tese de mestrado por causa de sua relevância na luta pela igualdade de gênero.
Hoje, aos 38, a cantora é considerada por muitos como a “musa” do movimento feminista. Se no palco ela manda “beijinho no ombro pro recalque” e um “sai pra lá, falsificada”, fora dele a artista usa sua voz e influência para empoderar as mulheres.
No próximo sábado, dia 4, Valesca traz para São Paulo seu baile de Carnaval, o CarnaVALESCA – Grito de Carnaval!, no Teatro Mars. “O primeiro baile aconteceu no ano passado e foi um sucesso. Já nesta edição, além do meu repertório, vou cantar uma música nova”, afirma.
Em entrevista ao Catraca Livre, a artista levanta mais uma vez a bandeira feminista e faz um apelo para as mulheres denunciarem casos de assédio. “Se todas se unirem, acho que a gente consegue um mundo melhor”, diz.
Valesca é uma das embaixadoras da #CarnavalSemAssédio, uma campanha lançada pelo Catraca que pede o respeito na folia e luta pelo fim da violência contra a mulher.
Catraca Livre: Você usa o funk para enaltecer a mulher e dar voz à luta pelo feminismo. Qual a importância de trazer essa temática dentro de um gênero cujas músicas objetificam a mulher?
Valesca Popozuda: As minhas músicas mostram para as mulheres que elas têm um poder que nem imaginam. Para a gente, diferente do que acontece com os homens, as coisas nunca estão boas, pois sempre, e por qualquer motivo, somos tachadas de piranha, de puta.
Então o que eu faço é falar o que muitas mulheres não têm coragem de dizer. Elas se identificam com minha música e levam isso para a vida delas. Essa é a bandeira que eu levanto e sempre vou levantar. Eu vim de um útero feminista, de uma mulher guerreira, batalhadora, que deu duro para me criar.
Saí de casa aos 14 anos, também me esforcei muito para chegar onde cheguei. E venci. Minhas músicas querem mostrar para as mulheres que nada é impossível.
Catraca Livre: Você trará para São Paulo a segunda edição do bloco CarnaVALESCA. Além de festas e folias, o Carnaval é uma época do ano em que a violência contra a mulher e o abuso sexual aumentam. Você já sofreu assédio no Carnaval?
Valesca Popozuda: Não, mas já sofri no meu trabalho [na época em que trabalhava no grupo Gaiola das Popozudas, ela queimou com um aparelho de babyliss o pênis do contratante de um show, após ele colocar o órgão sexual para fora da calça e a assediar. O caso é relatado em sua biografia, “Sou Dessas: Pronta pro Combate”].
Na época, eu não contei essa história para as pessoas. Achei que iam dizer que a culpada era eu, como sempre dizem para as mulheres quando são abusadas. Quando fui lançar meu livro, eu resolvi falar.
Hoje penso que qualquer assédio, mesmo que seja uma pegada na mão que você não queira, uma batida no ombro que você não queira, você tem, sim, que botar a boca no mundo. E isso acontece o ano todo, a cada dia, a cada minuto, não só no Carnaval.
Se todos se unirem, se todos baterem na mesma tecla contra o assédio, eu acho que a gente consegue um mundo melhor. Não vou ser eu, Valesca, sozinha, que vou conseguir. Queria eu fazer desse mundo uma Valesca Popozuda, mas eu não tenho esse poder.
Por isso acho que a gente não pode se calar, a gente tem que denunciar e cada vez mais.
Fernanda Miranda