Debora Diniz lançou livro e documentário sobre o impacto da doença na vida de mulheres
(O Globo, 04/02/2017 – acesse no site de origem)
Ela havia acabado de publicar seu livro “Cadeia — Relatos sobre mulheres”, em que conta histórias de presidiárias, quando a epidemia de zika a fez dar um giro de 180 graus no rumo de seus estudos. Há um ano, Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), decidiu se debruçar sobre os impactos da doença, principalmente, no Nordeste. Com a experiência de ter sido uma das expoentes da luta pelo direito à interrupção da gravidez nos casos de anencefalia, quando o bebê não tem cérebro — aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2012 —, ela agora se destaca na batalha pela descriminalização do aborto quando o feto é identificado como portador da síndrome congênita da zika. O assunto já chegou ao STF, mas não há previsão de quando será votado.
Você é antropóloga e está estudando zika. Como esse assunto se relaciona com as ciências sociais?
A zika é uma doença de gente. De multidões. Há um universo importantíssimo de compreensão de fenômenos populacionais de saúde que passa pelo visível, e não por laboratórios ou pesquisas clínicas. No caso da zika, isso é ainda mais intenso porque ela é uma doença com graves impactos na vida das mulheres em idade reprodutiva.
E como é a pesquisa?
Eu fui a Campina Grande (PR) pela primeira vez em fevereiro do ano passado e, desde então, faço visitas regulares. E tenho ido a outros lugares do sertão. Em dezembro de 2016, passei quase um mês em Alagoas. Agora há uma nova geração de crianças nascendo com o problema. Visitamos mais de 50 mulheres, todas com filhos que têm a síndrome.
O que chamou sua atenção nessas visitas?
Hoje sabemos que mesmo crianças que não nasceram com perímetro encefálico reduzido podem ter sido afetadas pelo vírus da zika. E eu vi que elas foram, de início, descartadas, porque não foram consideradas crianças com microcefalia. Em Alagoas, conheci algumas delas, com estrabismo e perninhas e bracinhos tortos. Uma vez que elas foram descartadas, estão sem atenção da saúde pública.
Quantas estavam nesse grupo?
Eu ainda não tabulei os dados, mas acho que de cinco a oito entre as 50. E, quando eu ia visitar uma criança, perguntava aos mototaxistas da cidade se havia outras com aquelas características. Em geral, existiam várias fora da notificação. Elas sequer foram consideradas com o problema num primeiro momento. Então tínhamos as confirmadas, as descartadas e as ignoradas.
Você passará este ano estudando o tema na Universidade Yale. É onde você organizará a pesquisa?
Sim, vou tabular os dados e fazer a parte teórica em Yale, e voltar ao Brasil a cada três meses para pesquisas de campo. A ideia é que eu lance um relatório sobre o assunto, incluindo acervo fotográfico.
Como a zika evidencia as desigualdades sociais no Brasil?
A epidemia de zika é um espelho perverso da desigualdade social brasileira. Essa relação fica clara ao ver onde a doença se concentra: numa região em que as famílias ainda são numerosas, as mulheres têm baixa escolaridade, muitas delas são indígenas, pardas ou negras, e, além disso, nordestinas. E a desigualdade não se mostra apenas no rosto das mulheres adoecidas e de suas crianças, mas também no silêncio da sociedade brasileira e da política de saúde pública, como se a zika não fosse mais um problema.
Comparando as mulheres do Rio com as do sertão, as angústias são as mesmas?
Faço parte de três grupos de WhatsApp de mães de crianças com a síndrome, e as angústias variam muito. As nordestinas têm um imenso problema com transporte. Imagine morar em municípios no alto sertão e ter que ir a centros de terapia para estimulação precoce, que ficam nas grandes cidades. Podem ser 200 quilômetros de distância. Já no Rio, as discussões costumam ser sobre como planejar um novo filho. Algumas questionam, por exemplo, se podem confiar em ultrassonografias, porque não conseguiram detectar os problemas do bebê por esse exame da última vez. Outras fazem ultra a cada 15 dias, porque entraram em pânico. Elas experimentam um intenso tormento psicológico.
Quais medidas seriam necessárias para ajudar essas mulheres?
É preciso garantir o acesso à informação no pré-natal, atender aquelas que querem engravidar e não têm informação, aquelas que engravidaram e querem ter o filho, as que não querem tê-lo, as que estão em sofrimento psicológico e as que já tiveram filhos com a síndrome e precisam cuidar deles.
Clarissa Pains