As mulheres presas provisoriamente no estado de São Paulo são, em sua maioria, negras, pobres, moradoras da periferia e de baixa escolaridade, de acordo com o relatório #MulhereSemPrisão, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), lançado hoje (7), na capital paulista. Resultado de uma pesquisa de dois anos, o relatório concluiu que há ausência da perspectiva de gênero no cárcere e essas mulheres sofrem com uma invisibilidade no sistema prisional provisório.
(Agência Brasil, 07/03/2017 – acesse no site de origem)
“O aspecto principal que conseguimos identificar foi esse: da invisibilidade ainda das especificidades de gênero, de quem é essa mulher, qual é a sua trajetória e do reconhecimento dessas vulnerabilidades específicas e dessas violências institucionais que acontecem muito, mesmo antes da prisão, e depois se intensificam”, disse Surrailly Fernandes Youssef, pesquisadora do ITTC que fez parte do estudo.
Foram analisadas as peças processuais de mulheres, como os autos de prisão em flagrante, as folhas de antecedentes criminais, a decisão judicial e o habeas corpus. No total, foram analisados 287 casos de prisão em flagrante ocorridos no segundo semestre de 2014.
Muitas das mulheres encarceradas já sofreram as chamadas violências institucionais, como a dificuldade de acesso ao ensino e aos equipamentos de saúde, violência doméstica, além de agressões físicas e verbais durante a prisão em flagrante, segundo a pesquisadora. “O que a gente identificou, na verdade, é que essa trajetória dessas mulheres, que tem um perfil de violência de gênero que se inicia muito antes do cárcere, não eram instrumentalizadas e não eram consideradas pelos atores do sistema de Justiça”.
Surrailly destacou também o aumento de 503% no número de mulheres encarceradas entre os anos de 2000 (quando cerca de 5 mil mulheres estavam presas) e 2014 (que registrou mais de 34 mil presas). A pesquisa pretende também “dar visibilidade para o encarceramento das mulheres, que normalmente não é muito falado”. “Quando falamos, por exemplo, sobre a crise no sistema penitenciário, sempre o enfoque é nos homens encarcerados”, explicou.
Gravidez
Segundo a pesquisadora, o cárcere é um ambiente que não foi pensado para as mulheres, mas para os homens. “Se a gente pensar, por exemplo, nas mulheres grávidas que estão presas, não existe uma estrutura capaz de recebê-las. Toda gravidez dentro do cárcere é uma gravidez de risco”. Ela citou problemas como a superlotação das celas e o fato de as mulheres terem que dormir, muitas vezes, no chão, ficando expostas a doenças.
De acordo com o ITTC, o sistema prisional não tem condições de receber as mulheres grávidas e seus filhos recém-nascidos. “O cárcere é intrinsecamente violador de direitos, a estrutura dele toda gera uma violação de direitos. E, para as mulheres grávidas, isso é intensificado, porque é uma gravidez de risco, sem um atendimento de saúde adequado, sem oferecimento de um pré-natal, um pós-natal. O cárcere não tem condições de que essas mulheres possam exercer sua maternidade plena”, avaliou a pesquisadora.
Dia Internacional da Mulher
O lançamento do relatório acontece na véspera do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. “A gente entende que essas mulheres também tem uma resistência dentro do cárcere contra todas essas opressões que acontecem e violações de gênero. Mesmo com todas essas violações, elas ainda resistem, como muitas mulheres hoje resistem aqui fora”, defendeu.
A pesquisadora ressalta a importância de incluir a pauta das mulheres encarceradas no debate mais amplo sobre gênero. “A gente quer somar a luta das mulheres e ao movimento feminista e dizer que as mulheres encarceradas também tem que ser pensadas dentro dessa luta. A ideia de lançar o relatório hoje é isso”, explicou.
Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil