IBGE: 7,7 milhões de crianças nesta faixa etária não têm matrícula na educação infantil
Desde novembro do ano passado, Alessandra Moreira, de 37 anos, tenta uma vaga para a filha Amanda, de 2 anos, em uma creche municipal no Centro do Rio. O tempo de espera pela matrícula significa, também, uma longa pausa em sua trajetória profissional como auxiliar administrativa: com o marido trabalhando e sem orçamento para pagar uma creche particular, é ela quem fica em casa para cuidar da menina.
(O Globo, 30/03/2017 – acesse no site de origem)
— Estou à espera da vaga, mas enquanto isso estou desempregada. Minha vida virou de cabeça para baixo. Procurei creches particulares, mas elas são caras e não quero deixá-la com outra pessoa — desabafa Alessandra, que também é mãe de um adolescente.
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A dificuldade de acessar a creche é sentida também por Ruth Caroline Farias, de 25 anos, que espera uma vaga para a filha Isabella, de 1 ano e 3 meses, na Zona Oeste do Rio. Enquanto a fila de espera de 34 crianças não anda, quem fica durante a semana com Isabella é o pai — o que acaba impedindo que ele, desempregado, volte ao trabalho como servente de pedreiro.
— É estressante porque eu sei que é um direito meu. Além de atrapalhar a vida financeira, não conseguir uma creche afeta também o desenvolvimento de Isabella — acredita Ruth.
As famílias de Alessandra e Ruth refletem os dados do estudo “Aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade”, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015. Apenas 25,6% das crianças menores de 4 anos estão em creche ou escola — um percentual distante da meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024, de no mínimo 50%. Isto significa que, das 10,3 milhões de crianças nesta faixa etária no Brasil, 7,7 milhões não estão matriculadas na educação infantil.
O estudo mapeou também quem são os principais responsáveis por cuidar dessas crianças — não necessariamente pais ou parentes. Em 83,8% dos casos, esta tarefa recai sobre as mulheres. E, assim como para Alessandra, isto significa uma dificuldade a mais no acesso ao trabalho. Entre responsáveis do sexo feminino, o índice de ocupação (profissional) é de 45%, mas chega a 89% quando quem cuida da criança é do sexo masculino.
— Os dados apontam para uma realidade que é sentida por todas nós e não é nova — destaca Hildete Pereira de Melo, economista da Universidade Federal Fluminense (UFF). — As mulheres são extremamente penalizadas na ocupação, têm trabalhos mais precários e maior desemprego. Além disso, o aparato do Estado, dando acesso à creche, por exemplo, é muito precário. Isto tudo está relacionado: principalmente entre as mulheres pobres, quem tem filho abaixo de 14 anos está na rua da amargura.
SALÁRIO E SANEAMENTO
A relação entre primeira infância e poder econômico também foi analisada pelo IBGE, e a conclusão é que há mais menores de 4 anos em domicílios de baixa renda. Famílias com rendimento abaixo de um salário mínimo per capita concentram 73,9% dos lares com crianças pequenas, e apenas 40,9% dos lares sem crianças nesta faixa. A partir da renda per capita acima de um salário mínimo, esta relação se inverte, com a maioria dos domicílios sem menores de 4 anos. O rendimento médio mensal per capita das famílias que abrigam crianças na faixa etária pesquisada é de R$ 715, o equivalente a 53% da renda de quem não tem criança em casa.
— Este estudo foi desenvolvido com o então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome [em maio de 2016, a pasta passou a integrar o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário] no contexto do programa Brasil Carinhoso. Dados já mostravam que a pobreza era bastante incidente em domicílios com crianças — aponta Adriana Araújo Beringuy, analista da Coordenação de Trabalho e Rendimento do IBGE.
Beringuy ressalta que, mesmo que as crianças não contribuam para o rendimento das famílias por não trabalharem — diminuindo o “bolo” a ser dividido per capita —, dados absolutos para o rendimento dos domicílios também mostram uma associação entre presença de crianças pequenas e renda menor.
Os lares em que vivem os menores de 4 anos tendem a ter outro indicador preocupante: um menor acesso ao saneamento básico. Redes coletoras de esgoto ou fossas sépticas, por exemplo, estão presentes em 77,1% dos lares com crianças pequenas, e em 81,2% daqueles sem.
— A falta de acesso à creche e ao saneamento demonstra que há uma violação da garantia de prioridade absoluta aos direitos da criança na Constituição Federal. Não é uma escolha do gestor, é compulsório — afirma a advogada Thais Dantas, do projeto Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. — Na primeira infância, é importante que as crianças tenham adultos de referência, o que ajuda nos vínculos de confiança. Portanto, isto não deve se centrar só na figura da mãe. Na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, a responsabilidade é compartilhada entre família, comunidade e Estado.
Em nota, o Ministério da Educação afirmou que há diversas ações em curso para ampliar e qualificar o acesso de crianças menores de 4 anos a creches. Entre eles, a previsão de R$ 80 milhões para o programa Brasil Carinhoso e o plano de construção de 615 creches “paralisado pela gestão anterior”.
Além disso, a pasta espera que a divulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no próximo dia 6 de abril “trará orientações claras para o atendimento em creche do ponto de vista pedagógico, social e comunicativo”.
POR MARIANA ALVIM