Delegada que investiga o caso confirmou lesão corporal na vítima e pode enquadrar agressor na Lei Maria da Penha
Na reta final da disputa pelo prêmio do Big Brother Brasil 17, reality show da TV Globo, o participante Marcos Harter foi expulso do programa na segunda-feira (10) por ter agredido Emilly Araújo, com quem mantinha um relacionamento desde o início do programa.
As imagens de intimidação, agressão psicológica e física cometidas por Harter (ilustradas em detalhes pela capa do jornal carioca “Meia Hora” de terça-feira, 11) bastaram para que um inquérito fosse aberto pela delegada titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Jacarepaguá, zona oeste do Rio, Viviane da Costa.
(Nexo, 11/04/2017 – acesse no site de origem)
As imagens do programa foram analisadas pela delegada, que examinou a vítima e a informou de seus direitos, segundo a Lei Maria da Penha. A partir do exame de corpo de delito, foi comprovada a lesão corporal. Até o momento, a participante não denunciou a agressão física, mas a investigação continuará a correr.
A saída do participante da casa do BBB por decisão da TV Globo ocorre uma semana depois de a emissora suspender o ator José Mayer, alvo de uma denúncia de assédio sexual feita por uma figurinista com quem trabalhava.
Abertura do inquérito sem denúncia da vítima
Um texto do Nexo do início de março explica como uma decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal fez com que a Lei Maria da Penha passasse a valer mesmo sem uma queixa da agredida.
Quando há evidência provida por um exame de corpo de delito, como no caso de Emilly, ou quando a denúncia é feita por outra pessoa (já que como regra episódios de violência contra a mulher não são filmados, como foram no BBB), a investigação ocorre mesmo que a vítima retire ou não preste queixa.
Conforme uma nota divulgada pelo Supremo, a necessidade de representação da pessoa ofendida “acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres”.
As imagens que mostram um ciclo
Os episódios de violência de um relacionamento abusivo são cíclicos, como explica ao Nexo a educadora Analba Teixeira, da organização SOS Corpo, instituto feminista do Recife.
O padrão
- agressão
- arrependimento por parte do agressor
- perdão e crença da mulher de que não vai se repetir
- nova agressão
Muitas vezes, a agressão física também é precedida de abusos psicológicos. A violência psicológica é mais “invisível”: mais difícil de ser percebida, provada e denunciada.
Por estar submetida a uma situação de vulnerabilidade em que o agressor também é uma pessoa com quem ela mantém um relacionamento afetivo, a vítima pode não identificar a situação de abuso. Teixeira ressalta ser importante não culpar Emilly Araújo por ter se manifestado com tristeza pela expulsão de Harter do programa de TV.
Qualquer que seja a violência sofrida, seja estupro, assédio ou uma agressão física, ela tende a se voltar contra as mulheres sob a forma de um sentimento de culpa, segundo Teixeira. “Pela cultura em que se encontram, as mulheres terminam procurando uma justificativa para o que aconteceu”, diz.
Ao saber da expulsão do então companheiro, Emilly chorou e disse não acreditar e não querer que aquilo acontecesse a ele. “Ela dizia que ele não ia machucá-la, mas ele já havia machucado”, diz Teixeira.
Na noite de segunda-feira (10), quando a TV Globo anunciou a saída de Harter, menções de apoio a ele estavam nos trending topics do Twitter. No dia seguinte, os relatos de relacionamentos abusivos vividos por mulheres ganharam força com a hashtag #EuViviUmRelacionamentoAbusivo.
A visão de que agressões são normais nas turbulências de um relacionamento também prejudica a identificação de episódios de violência. A educadora da organização SOS Corpo defende que é preciso mudar a percepção do que é “só uma briga de casal”. “A Globo também demorou para agir por entender que era uma simples briga”, aponta.
Para Teixeira, o episódio instalou o debate sobre violência contra as mulheres no Brasil e isso é positivo. “O Brasil é o quinto país em que mais se mata mulheres. Temos os dados, mas eles não são discutidos”, diz. “Por maior que venha sendo o avanço da luta feminista no combate à violência contra as mulheres, em casos como esse vemos que o problema ainda não está resolvido. E o Estado e a sociedade precisam tomar a responsabilidade [sobre a violência] para si”.
Juliana Domingos de Lima