“Espere. Deixe eu me arrumar antes”. Sara, de 16 anos, pede mais um tempo para fazer a foto para a reportagem. Estudante do 1º ano no ensino médio, a adolescente extrovertida e vaidosa é uma entre todos os 10 alunos negros da escola particular de Brasília onde estuda. Ela não gosta de ser tratada diferente dos colegas por conta disso, porém afirma que mesmo no ambiente escolar, que deveria ser espaço de igualdade, há demonstrações de racismo. Ela e amigos já foram vítimas do preconceito racial e da ignorância. “Às vezes a gente leva na brincadeira, finge que está tudo bem, mas sente e até chora”, desabafa. Histórias como a de Sara revelam que nem mesmo a obrigatoriedade do ensino da Cultura Afro-Brasileira (pela Lei 10.639/03) ou a criação do Mês da Consciência Negra (em novembro), é possível modificar o cenário.
(Agência de Notícias UNICEUB, 14/04/2017 – acesse no site de origem)
Na escola particular em que Sara estuda hoje e em todas as outras que já frequentou, ela diz que consegue contar nos dedos a quantidade de colegas negros. Mais do que isso: lamenta que as aulas sobre racismo permaneçam limitadas à semana da consciência negra (dia 20 é a data de morte de Zumbi dos Palmares). Outro problema apontado: a história dos negros é contada de forma superficial e tratada apenas sob a perspectiva da escravidão, como se todos negros só pudessem ser identificados pelo histórico de exploração. “A escola deveria trazer mais livros sobre os negros que fazem a diferença e não só sendo escravizados”, afirma a adolescente. Ela entende que o tema precisa ser mais conversado nas escolas. “Gente, somos pessoas como todo mundo, qual a diferença de uma cor para a outra? ”.
Sara, a personagem real
Gisele Gama, mãe de Sara, conta que quando a filha era criança não se reconhecia nos amigos com quem convivia e muito menos nos materiais didáticos. A partir daí surgiu a ideia da escritora de fazer uma coleção de livros tendo uma menininha negra como protagonista das histórias. “Quando a criança não se reconhece nos livros, nos brinquedos e nos desenhos, ela está sendo tratada como se fosse de segunda categoria.”, afirma a escritora. Foi assim que surgiu “Sara e sua Turma”, uma coletânea que tem como fonte de inspiração as situações vividas pela filha e tantas outras crianças.
As histórias promovem a empatia pela protagonista e apresentam de maneira lúdica assuntos importantes, como racismo, família, amizade e respeito às diferenças. “O que a gente quer é que as crianças se identifiquem e amem a personagem Sara pela criança que ela é, independente da cor. Quando isso acontece, você desfaz o racismo”, assegura a escritora que também está produzindo desenhos animados com todos os personagens dos livros.
“Não basta apenas obrigar o ensino”
A lei 10.639/03 determina que deve ser incluído nos currículos o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, mas isso ainda não tem acontecido de maneira satisfatória e não há fiscalização efetiva. “Não basta apenas obrigar o ensino. É preciso trabalhar os materiais didáticos e os professores. Dependendo da maneira como a história do negro é contatada, haverá um reforço negativo”, diz Gisele Gama. Ela entende que as escolas públicas abordam melhor o tema, já que haveria mais alunos negros. Porém, ainda assim é preciso adequar o enfoque e a maneira de ensinar. Conforme esclarece a escritora, na rede pública, a relevância é a questão da identidade e nas particulares é a empatia que deve ser priorizada. “São demandas diferentes”.
De outro lado, o MEC disponibiliza, sob o título “Educação para todos”, coleção com mais de 30 volumes que abordam a diversidade cultural, racial e étnica nas escolas. Os livros são resultados de reuniões, seminários e estudos realizados pela SECAD (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade) com o objetivo de colocar em prática o que determina a Lei 10.639/03. Em Brasília, de acordo com dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) na educação básica, a população que se auto declara parda ou preta totaliza 248.307 mil, enquanto 163.129 mil se dizem brancos. Mas, ainda que a quantidade de alunos pretos e pardos seja maior, o ensino afro-brasileiro não tem o devido espaço nas escolas. Essa é a opinião também do professor do Centro de Ensino 404 em Santa Maria, Jean Claude Ribeiro.
Ele esteve presente juntamente com alunos do ensino médio de Santa Maria (DF) no início de novembro no Palácio do Buriti para a abertura do mês da Consciência Negra promovida pela Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos de Brasília. Porém o docente ressaltou que trabalhar a questão do negro apenas em datas específicas pode aumentar o estigma. “Eu sempre trabalho com meus alunos durante todo o ano as questões do negro e do índio. Ou seja, sobre a forma como a nossa sociedade e cultura foi constituída. Em algumas escolas, infelizmente, esses temas são reduzidos aos dias comemorativos, o que acaba transformando o assunto em folclore. ”
Para o professor, eventos como o promovido pelo governo são importantes. Mas, para apresentação de estudos, resultados dos trabalhos desenvolvidos e ainda para chamar a atenção da sociedade. Entretanto, o pesquisador ressalta que o ensino da Cultura Afro-Brasileira deve estar presente sempre. “É preciso trabalhar o assunto ao longo de todo ano, pois a prática tem que ser diária para ela realmente acontecer como prática. E em novembro, que é o mês da consciência negra, deve acontecer a culminância de tudo que foi desenvolvido ao longo do ano, por isso trouxe meus alunos”.
Kauany Hilário, 16 anos, (a primeira estudante à esquerda na foto acima) uma das alunas que estava presente, diz que o professor prepara os alunos para tentarem sempre se colocar no lugar do outro, o que ela considera muito bom. Porém diz que, às vezes, ainda sofre racismo na escola. “As pessoas nos olham, reparam nos nossos cabelos e dizem logo: você é isso ou aquilo. Nos julgam sem nos conhecer”.
Por Karina Berardo