União foi condenada a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais. Ela foi fotografada por militares em Junta de alistamento em Osasco, em 2015. As imagens foram divulgadas e ela passou a receber ligações ofensivas.
A estudante transexual Marianna Lively, 19 anos, comemora a decisão da Justiça Federal de São Paulo, que condenou a União a lhe pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais. Mas a alegria maior, segundo ela, é a de ter conseguido fazer seu papel de cidadã e garantir seus direitos na sociedade. Em 2015, ela teve suas fotos e todos os dados pessoais divulgados na internet instantes depois de fazer o alistamento militar em Quitaúna, em Osasco, na Grande São Paulo.
(G1/São Paulo, 19/04/2017 – acesse no site de origem)
“Para mim foi algo gratificante receber essa notícia, me deixou feliz, que consegui impor respeito, coloquei meu papel de cidadã na sociedade. Eu tenho ido atrás dos meus direitos, não tenho deixado passar batido. Acho que isso foi um marco e que sirva de lição, que não repitam isso, espero que eu seja a última pessoa que tenha passado por isso”, disse Marianna ao G1.
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Por conta da divulgação das imagens e do endereço e telefones, Marianna disse na ocasião que começou a receber inúmeras ligações, sendo parte delas ofensivas. Atualmente ela mora em Londres e espera retornar ao Brasil em breve. “O serviço militar não deu nota sobre o que vai fazer com base de transexuais e travestis no alistamento obrigatório. Espero que eles tomem providências, que possam dispensar as meninas logo quando entrarem com o pedido de reservista e que esse caso não tenha de ocorrer novamente”, afirmou a jovem transexual.
Ela relatou que foi tudo rápido, que se alistou por volta das 7h e quando chegou perto das 14h começou a receber ligações de pessoas a procurando pelo meu nome de registro. “Só eu e minha família sabemos o que a gente passou, muitas ligações, muitas pessoas me humilhando pelo telefone, foi uma situação horrível para mim e minha família. Fora as pessoas desconhecidas que apareceram no portão da minha casa, porque as fotos que divulgaram tinha o endereço da minha residência.”
Na decisão, a juíza federal Letícia Dea Banks concluiu que o autor das fotos e foi alguém do Exército, devido ao ângulo em que as fotografias foram tiradas e porque os civis presentes não podiam usar o telefone no local nem ter acesso ao certificado de alistamento. Segundo a Justiça Federal, o fato foi confirmado pelo Exército, que atribuiu a prática a dois militares. As condutas já estariam sendo investigadas em um inquérito.
A magistrada ressaltou a violação à dignidade de Marianna, principalmente pelas humilhações que sofreu. “Friso que a exposição ocorreu na rede mundial de computadores, o que amplia ainda mais as consequências do ato. Ainda, dada sua gravidade, os fatos foram amplamente divulgados na imprensa nacional, gerando consequências até mesmo na rotina da autora.”
Marianna contou ao G1 que “isso assustou muito a minha família, foi muito chato de ter vivido. É triste, pois eu sei que não fui a primeira garota a sofrer isso. Muitas meninas me mandaram mensagens dizendo que já havia acontecido com elas em outros estados do Brasil. Eu acho que depois de tudo que aconteceu, para mim e para minha família, foi um choque, foi algo que não eu não esperava, algo que não tem como falar como foi horrível, me machucou muito. Tenho trauma em andar em público e se eu vejo uma pessoa com celular levantado eu entro em desespero, me sinto muito mal. Espero que isso não venha a acontecer de novo.”
Outro lado
O G1 procurou o Exército e aguardava retorno até a publicação desta reportagem. À época, informou que “não discrimina qualquer pessoa em razão da raça, credo, orientação sexual ou outro parâmetro. O respeito ao indivíduo e à dignidade da pessoa humana, em todos os níveis, é condição imprescindível ao bom relacionamento de seus integrantes com a sociedade”.
Ainda na nota de 2015, o Exército disse que “tem conhecimento do fato que envolveu a divulgação, sem autorização, das informações da pessoa em questão, durante o processo do Serviço Militar Obrigatório e já instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para esclarecer o ocorrido e os envolvidos serão responsabilizados por suas ações, dentro do que prescreve a legislação vigente”.
Logo que as ligações ofensivas começaram a se repetir, Marianna buscou o apoio de sua mãe. Juntas, decidiram que iriam ao quartel falar com o comandante sobre o ocorrido. “Falamos com o capitão França. Ele pediu desculpas pela infantilidade dos soldados, mas me pediu para deixar a poeira baixar e pediu para eu trocar o número do celular para cessar as ligações. Como se isso resolvesse o problema de terem divulgado meu endereço e meus documentos todos”, disse ela, na época.
O Exército disse, também em 2015, que “não compactua com este tipo de procedimento e empenha-se, rigorosamente, para que eventuais desvios de conduta, sejam corrigidos, imediatamente, dentro dos limites da lei. O autor das fotos e o responsável pela divulgação das imagens e dos dados pessoais da jovem ainda não foram identificados”.
Por Glauco Araújo, G1 São Paulo