As mulheres enfrentam uma série de obstáculos no mundo do trabalho. Salários menores ao desempenharem a mesma função que colegas do sexo masculino e garantias frágeis para se manter no mercado caso escolham engravidar são alguns deles.
(Nexo Jornal, 24/04/2017 – Acesse o site de origem)
Além das desigualdades objetivas, uma pesquisa da Faculdade de Negócios de Harvard publicada em 2015 chegou a levantar a hipótese de que as mulheres não são promovidas “porque não querem”.
A explicação de que a ausência de mulheres em cargos de liderança das empresas tem a ver com uma falta de ambição inata por parte delas, no entanto, foi confrontada por um relatório divulgado no início de abril de 2017 pela consultoria americana BCG (Boston Consulting Group).
A pesquisa realizada pela consultoria obteve respostas de mais de 200.000 empregados em 189 países – dos quais mais de 141.000 eram mulheres – à pergunta “qual a importância das oportunidades de liderar e assumir responsabilidade?”.
Ela conclui que no início da carreira, as mulheres miram, sim, atingir o topo, conquistando cargos de diretoria e gestão em empresas, tanto quanto seus colegas homens. Mas o ambiente corporativo faz com que, com o passar do tempo, elas desistam dessa ideia por algumas razões:
- mulheres têm sua ambição prejudicada por interações interpessoais (microagressões no dia a dia)
- falta de oportunidades ao longo da carreira
- falta de exemplos de mulheres na liderança da empresa ou de políticas inclusivas para mantê-las
A descoberta é relevante porque, ao contrário do que se pensava, a resposta para a falta de mulheres nos cargos de chefia está nas próprias companhias, e não na situação familiar das mulheres.
Assim, a pesquisa desfaz mitos – conclui que homens e mulheres entram nas empresas com os mesmos níveis de ambição. E que as mudanças nesses níveis estão associadas às desigualdades de gênero dentro das empresas.
SEGUNDO CONSULTORIA, RESPOSTA ESTÁ NA CULTURA DAS COMPANHIAS, E NÃO NA SITUAÇÃO FAMILIAR DAS MULHERES/FOTO: MARIUS BOATCA/CREATIVE COMMONS
Gravidez não influi
Os níveis de ambição de mulheres com e sem filho evoluem da mesma forma ao longo dos anos. A pesquisa constatou uma variação de apenas 1% em todos os grupos de idades de mulheres, com e sem filhos, quando foi perguntado qual era o nível de importância dada às oportunidades de liderar como atributo de um possível emprego.
O exemplo importa
Em empresas nas quais o corpo de funcionários nos cargos de liderança é mais diverso do ponto de vista do gênero, tanto homens quanto mulheres se sentem encorajados a atingir esses postos. Isso quer dizer que, quanto mais mulheres há no topo, mais mulheres se sentem motivadas a chegarem lá.
Nas empresas que realizaram os maiores progressos na direção da diversidade de gênero nos últimos três anos, 85% das mulheres e 87% dos homens entre 30 e 40 anos relataram estarem buscando ascender a uma posição de liderança. Já nas que menos progrediram nesse sentido, 66% das mulheres e 83% dos homens declararam aspirar à liderança.
Inclusão e retenção aumentam a ambição
Considerando uma empresa em que a força de trabalho é predominantemente masculina e atua em diferentes localidades, a ambição das mulheres na gerência foi registrada como 20% maior nas filiais em que empregados relataram haver preocupação de reter as mulheres em seus empregos (concedendo, por exemplo, maior flexibilidade de horários) do que nas sedes onde empregados não relatam essa preocupação.
Quais são os dados brasileiros
A participação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro, tanto no setor público quanto privado, cai conforme o nível hierárquico aumenta, segundo uma reportagem do jornal “O Globo” de março de 2017.
Entre todos os trabalhadores brasileiros, 43,8% são mulheres. Mas elas representam apenas 37% dos cargos de direção e gerência e, nos comitês executivos de grandes empresas, são apenas 10%.
Quanto mais alto o cargo e a escolaridade, também aumenta a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Mulheres brasileiras ganham, em média, 76% do salário dos homens. Nos cargos de gerência e direção, essa proporção passa a ser 68%. Os dados usados pelo “Globo” são da pesquisa domiciliar de 2015 feita pelo IBGE.
Por que ‘fazer acontecer’ não basta
“Dizer às mulheres que simplesmente se esforcem mais em um jogo no qual as regras estão contra elas pode produzir alguns casos de sucesso isolados e fantasiosos — mas não vai levar a um avanço significativo”, escrevem os autores do relatório feito pela consultoria BCG, uma vez que a estrutura do ambiente de trabalho não as encoraja a permanecer nele e galgar posições mais altas.
É essa uma das principais críticas feitas ao livro “Faça acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar”, uma das referências mais recentes e relevantes quando se fala do lugar das mulheres no mundo corporativo. Ele foi escrito pela empresária americana e chefe operacional do Facebook, Sheryl Sandberg, publicado nos EUA e no Brasil em 2013.
Sandberg enumera os obstáculos enfrentados pelas mulheres no ambiente de trabalho e as encoraja a serem ambiciosas e determinadas em suas carreiras. Mas, segundo afirma a escritora americana Roxane Gay, a autora de “Faça Acontecer” fala de e para um público alvo muito restrito.
Gay também aponta que, de modo geral, trabalhar mais e agarrar as oportunidades não vai levar todas as mulheres ao lugar de destaque onde Sandberg chegou.
O livro de Sandberg voltou às discussões em fevereiro de 2017, quando feministas americanas convocaram uma greve geral no dia 8 de março e fizeram uma alusão direta, em seu manifesto, a ele.
Para elas, a solução proposta por Sandberg foca excessivamente no empreendedorismo e na atitude das próprias mulheres com relação às suas carreiras.
Como construir lideranças mais inclusivas
A pesquisa da BCG propõe algumas mudanças no ambiente corporativo para encorajar mulheres a aspirarem a liderança. A primeira delas é que, para qualquer vaga aberta na empresa, haja equilíbrio na quantidade de homens e mulheres selecionados entre os candidatos, a fim de que se construa um quadro de funcionários mais misto. Se quase não houver mulheres na empresa, dificilmente haverá mulheres na liderança.
O relatório também menciona incluir as mulheres nas interações cotidianas e confraternizações. Os ambientes majoritariamente masculinos acabam fazendo com que elas não se sintam à vontade, e incluí-las é uma maneira de retê-las na empresa.
O relatório propõe que os CEOs perguntem a seus gerentes e executivos se, nos momentos mais relaxados e divertidos de interação social no ambiente de trabalho, há mulheres presentes. Caso não haja, questionar por que e, se sim, se elas também parecem estar confortáveis e se divertirem.
Fazer mudanças estruturais, como oferecer maior flexibilidade aos trabalhadores para que consigam conciliar o trabalho à família e a outras obrigações pessoais também beneficia o crescimento das mulheres nas empresas, segundo o relatório.