(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 15/05/2017) A deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) – primeira mulher prefeita da cidade de São Paulo, entre 1988 e 1992, quando integrante do PT – enviou no último dia 8 de maio carta ao atual prefeito, João Doria (PSDB), apelando que não efetive o plano de fechamento de brinquedotecas, salas de leitura, informática e de professores nas creches e escolas da rede municipal de ensino.
No dia 5 deste mês o jornal Folha de S.Paulo noticiou anúncio em vídeo feito pelo prefeito de que está fechando espaços pedagógicos como forma de ampliar as vagas na pré-escola. O prefeito justifica a medida porque haveria “um rombo de R$ 7,5 bilhões” no orçamento municipal.
A ex-prefeita ressalta que “brinquedotecas, salas de leitura e salas de informática não são supérfluos, mas equipamentos indispensáveis à educação moderna e de qualidade de nossas crianças. Nem muito menos são um luxo para os filhos (as) dos pobres, mas um direito, a duras penas conquistado pelos que lutam e defendem a educação como um dos direitos sociais fundamentais constantes do artigo 6 da Constituição Federal”.
A medida anunciada pelo prefeito não contempla a agenda de demandas das mulheres brasileiras, embora tenha sido apresentada como se assim o fizesse. Segundo a pesquisa “Aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade”, divulgada pelo IBGE no início deste ano, as mulheres são as primeiras responsáveis pelo cuidado de 83,8% (8,6 milhões) das crianças com menos de 4 anos no país. O dado reforça demanda verificada em pesquisa Data Popular/SOS Corpo realizada em 2012, em que 88% das entrevistadas apontam a creche como uma de suas principais demandas ao poder público.
A ONU Mulheres destaca na publicação Orçamentos Sensíveis a Gênero que, “quando uma creche é criada, ela beneficia não só as crianças, mas, principalmente, libera as mães para o que quer que queiram ou possam fazer, o que lhes possibilita condições mínimas para estudar, capacitar-se, ter um emprego, cuidar de si mesmas”.
De acordo com o Unicef, “o compromisso de cada prefeitura com os direitos da criança só se realiza na prática quando está expresso no orçamento público municipal. Sem que haja previsão de recursos para financiar as políticas para a infância, e sem que esses recursos sejam efetivamente aplicados na execução orçamentária, nenhum planejamento em favor das crianças tem efeitos concretos. Não adianta, por exemplo, falar de ampliação das vagas em creches se não houver dinheiro reservado para a construção e a manutenção de novas unidades”. Ou seja, o que as Nações Unidas preconizam é a criação de novas unidades de educação infantil e não a produção de novas vagas sem observância dos critérios pedagógicos e de direitos humanos.
Desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em vigor, as instituições de educação infantil são compreendidas também um direito dos pequenos e mecanismos de erradicação da extrema pobreza e não somente como política assistencial. As diretrizes educacionais em vigor apontam que a primeira fase educacional na vida de uma criança não deve estar orientada “para conteúdos ou o conhecimento formal. Antes de tudo, a educação infantil deve atuar sobre dois eixos fundamentais: a interação e a brincadeira.O ambiente escolar também deve refletir esta preocupação. A indicação é que o espaço seja dinâmico, vivo, “brincável”, explorável, transformável e acessível para todos”, conforme destaca a União em publicação sobre o sistema educacional brasileiro.
A Rede Nossa São Paulo destaca em artigo recente que “É preciso tomar cuidado, pois, em tempos de restrições orçamentárias e de congelamento de verba da educação, o discurso de que para o pobre vale qualquer coisa pode ganhar força. Essa visão está presente quando se defende a instalação de creches em qualquer lugar. “Lidar pobremente com a pobreza” é uma máxima para a qual não podemos retroceder.”
O Plano Municipal de Educação de São Paulo também determina que a expansão da educação infantil tem que preservar as especificidades, “garantindo o atendimento da criança de 0 (zero) a 5 (cinco) anos em estabelecimentos que atendam a parâmetros nacionais de qualidade, e a articulação com a etapa escolar seguinte, visando ao ingresso da criança de 6 (seis) anos de idade no ensino fundamental.”
E para atender aos direitos de mulheres e crianças os parâmetros funcionais do sistema de educação infantil também é definido na legislação e nos Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Fundamentais das Crianças do Ministério da Educação. O documento destaca que atenção individual; brincadeiras; ambiente aconchegante, seguro e estimulante; mecanismos que incentivem o desenvolvimento da curiosidade, imaginação, conhecimento e capacidade de expressão, entre outros aspectos, são preconizados como direitos da infância. Bem como são apontados como critérios para políticas e programas de creche que a dotação orçamentária deve comportar o atendimento digno às crianças e o reconhecimento do trabalho do adulto profissional. Logo, fechamento dos espaços docentes não é recomendável.
Reproduzimos abaixo a carta de Luiza Erundina: