Cinquenta anos depois de o Sexual Offences Act descriminalizar o ato sexual consentido –e privado– entre duas pessoas do mesmo sexo no Reino Unido, a homossexualidade entrou de vez na pauta política europeia.
(Folha de S.Paulo, 02/07/2017 – acesse no site de origem)
O Parlamento da Alemanha aprovou, na sexta-feira (30), o casamento entre pessoas do mesmo sexo no país. No último dia 15, a Sérvia, país candidato a membro da União Europeia, empossou uma inédita –para o país– primeira-ministra lésbica, Ana Brnabic, 41.
Ela é a primeira chefe de governo mulher e LGBT do Leste Europeu e a segunda do mundo, após a ex-primeira ministra islandesa Jóhanna Sigurðardóttir (2009-2013).
E, há menos de um mês, Leo Varadkar tornou-se o primeiro Taoiseach (nome gaélico para premiê) da Irlanda abertamente homossexual.
Com o slogan “Coragem nos leva adiante”, Varadkar fez da homossexualidade uma bandeira, na mesma semana em que o Reino Unido elegeu sua maior bancada LGBT do Parlamento –45, seis a mais que em 2015.
“É sem dúvida um avanço”, avalia o belga Koen Slootmaekers, professor-assistente na London School of Economics e coautor do livro “The EU Enlargement and Gay Politics” (A expansão da UE e a política para gays).
“Mas não devemos superestimar as mudanças. Varadkar foi eleito indiretamente e é conservador em direitos reprodutivos; Brnabić, que prefere manter sua privacidade na questão talvez para não confrontar a opinião pública sérvia (66% no país consideram a homossexualidade doença), também.”
Caberá a Varadkar, 38, negociar com os vizinhos britânicos os termos do “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia.
Médico filho de pai imigrante indiano e mãe irlandesa, Varadkar começou a ascender no partido centrista Fine Gael na campanha pelo “sim” no referendo do casamento gay, em 2015, em cuja campanha participou ativamente, assumindo sua homossexualidade. Ser gay na Irlanda ainda era crime nos anos 1990.
Na Inglaterra e no País de Gales, o Sexual Offences Act de 1967 foi a grande ruptura. Os ingleses reduziram depois a maioridade para a prática de sexo homossexual para 18 anos em 1994 e para 16 em 2000. Mas foi somente em 2013, com a absolvição do gênio da computação Alan Turing (1912-1954), que o governo britânico começou a considerar o perdão aos condenados por serem gays.
A evolução, com reconhecimento e ampliação dos direitos da comunidade LGBT no Reino Unido, é tema da exposição Gay UK: Love, Law and Liberty (Reino Unido Gay: Amor, Lei e Liberdade), na Biblioteca Britânica.
Uma visita à mostra sugere que, apesar dos avanços, a luta continua pela igualdade e contra a discriminação.
A Inglaterra e a Escócia, onde a união entre pessoas do mesmo sexo foi legalizada em 2014, são tradicionalmente mais liberais que País de Gales e Irlanda do Norte.
“Aqui [na Inglaterra] ninguém se importa realmente com isso [a sexualidade dos candidatos]”, diz Jonathan Darlington, 53, que trabalha na Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres e é militante do Partido Trabalhista.
DEPUTADOS GAYS NO REINO UNIDO
“Não vejo constrangimento quando as pessoas me perguntam se sou ou não gay”, diz Peter Kyle, 47. “Acho justo e normal quando você está pedindo o voto de milhares de pessoas, para representá-las. A maneira como você lida com sua orientação sexual diz muito sobre seus valores.”
Abertamente gay, Kyle tem se destacado na cena política britânica nos últimos dois anos. Após um dos melhores desempenhos eleitorais do Partido Trabalhista em 2015, repetiu a performance na eleição do último 8 de junho.
Kyle ficou 22 pontos percentuais à frente da conservadora Kristy Adams –defensora da “cura gay”– na disputa pela vaga no Parlamento representando Hove e Portslade, municípios vizinhos a Brighton, balneário onde a comunidade LGBT é grande.
A Folha acompanhou, no dia da eleição, a campanha porta a porta dos voluntários trabalhistas para eleger Kyle.
Para Koen Slootmaekers, “atitude aberta é importante para servir como modelo e suporte à comunidade LGBT”.
Kyle defende que, com o “brexit”, será preciso assegurar que as conquistas LGBT obtidas “com a chancela e ajuda da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Europeia de Justiça” não sofram retrocessos.
“É compreensível que eleitores conservadores se sintam assustados com tantas mudanças sendo absorvidas tão rapidamente pela sociedade”, afirma Kyle.
“Mas já ouvi até que houve gente votando a favor do ‘brexit’ por se opor ao casamento gay”, disse ele.
Outra vitoriosa na última eleição britânica, a escocesa Ruth Davidson, 38, do Partido Conservador Escocês, é a primeira líder de partido lésbica do Reino Unido, ao lado do conterrâneo Patrick Harrie (Partido Verde Escocês).
A recém-selada aliança da primeira-ministra conservadora, Theresa May, com o partido ultraconservador norte-irlandês DUP (Partido Unionista Democrático), que se opõe ao casamento gay, serviu de plataforma para Davidson. “Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para garantir os direitos LGBT neste país e também na Irlanda do Norte”, afirmou.
Sob Davidson, o Partido Conservador Escocês nocauteou o SNP (Partido Nacionalista Escocês), da líder escocesa Nicola Sturgeon, tirando-lhe 21 dos 35 assentos que possuía no Parlamento britânico. Com o feito, ganhou o apelido de “Ruthquake”, um trocadilho com a palavra “earthquake”, terremoto.
A Escócia foi o único país do Reino Unido onde os conservadores avançaram mais do que os trabalhistas nesta eleição, salvando May de perder a maior bancada (ela, porém, perdeu a maioria).
Chamada pela “The Economist” de “Queen of Scotts” (referência à Mary Stuart, rainha da Escócia de 1542 a 1567, que cobiçava o trono de Elizabeth 1º e foi decapitada por traição) por sua expressiva votação, Davidson é considerada pela revista como mais influente em Westminster que a própria Sturgeon.
Juliana Resende