(Luciana Araújo/Agência Patrícia Galvão, 10/07/2017) Fundada em 1º de maio de 2012, o Centro de Defesa e Convivência da Mulher Casa Anastácia nasceu da mobilização das mulheres – em sua absoluta maioria negras – moradoras do distrito paulistano de Cidade Tiradentes, no extremo Leste da capital paulista. Nesta quinta-feira (6) aconteceu a celebração do quinto ano de funcionamento do equipamento. O aniversário da Casa foi comemorado em meio a incertezas sobre a continuidade de políticas públicas de garantia dos direitos das mulheres na cidade de São Paulo.
Após extinguir a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, o prefeito João Dória alocou as políticas dessas áreas sob o guarda-chuva da Secretaria de Direitos Humanos. Após a desastrosa intervenção na Cracolândia no mês passado, a então titular da pasta, Patrícia Bezerra, pediu demissão. Na sequência, a então secretária Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), Sonia Francine, foi demitida pelo alcaide. A SMADS é responsável pela maior parte do serviços de atendimento.
Movimentos de mulheres, direitos humanos e profissionais das áreas do Direito e Assistência criticam também a perspectiva de gestão das políticas para as mulheres na cidade, que voltaram a ser tratadas sob a ótica assistencialista e não de promoção de direitos e fortalecimento das vítimas para que retomem suas vidas após passar por processos violentos. Além disso, o investimento nesses serviços vem sendo apontado como outro problema.
Em reportagem recente, o SPTV2 mostrou uma redução de R$ 3 milhões no orçamento dos equipamentos de atenção a mulheres vítimas de violência, em comparação à destinação orçamentária do ano passado – embora tenha havido um aumento de 31,53% na quantidade de atendimentos nos primeiros três meses deste ano em relação ao mesmo período de 2016. Ainda de acordo com os dados informados pela própria Prefeitura ao SPTV2, somente em cidade Tiradentes 1.046 mulheres vítimas de violência foram atendidas entre janeiro e março deste ano. Todas as informações daquela reportagem foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação.
Piora nas políticas públicas impacta em realidade social já difícil
Na localidade onde 55,44% dos moradores é autodeclarada preta ou parda, enquanto na composição populacional da cidade este percentual é de 37%, a renda média domiciliar é de pouco mais de dois salários mínimos, de acordo com dados do Censo 2010 compilados pelo portal São Paulo Diverso. A taxa de analfabetismo na faixa etária de 15 a 39 anos é de mais de 60% da população do distrito. O portal apresenta também a crise empregatícia na região. Com base em dados da RAIS expedidos pelo Ministério do Trabalho em 2013 (antes da crise econômica atual impactar os níveis emprego do país) apenas 0,1% da população tinha emprego formal.
Frente à difícil realidade local, a ausência de políticas públicas, a crise no país e as dúvidas sobre a continuidade de projetos voltados aos direitos das mulheres, também era perceptível a preocupação com o futuro do equipamento entre as mulheres presentes ao evento de comemoração do quinto ano de funcionamento da Casa Anastácia. O convênio de gestão foi prorrogado até 31 de outubro deste ano. Mas como já foi anunciada uma reestruturação da SMADS e o decreto do marco regulatório para estabelecimento de convênios deste tipo continua sem regulamentação, a Casa e outros centros de atendimento às mulheres estão ainda sem definição oficial de até quando o serviço será assegurado.
Uma conquista
A Casa é vista pelas presentes como uma conquista, por ser o fruto de mobilizações que cobraram do poder público um espaço desse tipo. Apesar da alegria da festa, a discussão sobre a necessidade de manter e ampliar tais serviços esteve presente em todas as falas. O local – como outros 11 Centro de Defesa e Convivência da Mulher (CDCMs) de responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) – oferece atendimento multidisciplinar às vítimas e faz a ponte entre os demais serviços da rede de apoio a mulheres em situação de violência sexual, física, moral, patrimonial e psicológica em contexto doméstico ou familiar, entre outras vulnerabilidades.
“É um motivo de emoção muito grande ter chegado a essa casa. Eu falo que eu não vim propriamente com as pernas, vim empurrada. E cheguei nessa Casa praticamente, como a gente diz, bebezinha – não sabia nem pra onde ir nem que direção tomar. E essa casa me acolheu como uma mãe mesmo, me deu carinho, amor. Nas horas que eu mais precisei, elas estavam ali, como uma equipe, porque as pessoas não trabalham sozinhas. E, se eu estou aqui hoje, é por causa dessa casa. E não são elas que fazem o projeto, é a gente. O projeto só existe por causa de nós mulheres, porque, apesar delas estarem trabalhando, também são mulheres e sentem o que a gente sente”, relatou Maria Darlene Bispo, uma das atendidas, que não conteve as lágrimas.
Importância da rede
Participante da mobilização de mulheres que levou à criação da Casa, Fabiana Pitanga reafirmou ainda a importância de ampliar a rede de atendimento a mulheres vítimas de violência. “Infelizmente ainda é muito alto o índice no bairro em que moramos e ainda falta muito. Os próprios bairros estão aumentando. Hoje a Casa Anastácia só atende uma parte de Cidade Tiradentes, esse serviço precisa ser ampliado. Assim como é preciso pensar programas de prevenção nas escolas, onde existe uma carência muito grande do debate sobre a questão de gênero, o machismo, o racismo”, reforçou.
Além da necessidade de ampliação dos serviços e políticas públicas, o sucateamento dos serviços existentes é outro problema enfrentado na região. Em março deste ano, por exemplo, a maternidade do Hospital Municipal de Cidade Tiradentes foi interditada por dez dias por determinação da Vigilância Sanitária, também do município, após duas mulheres morrerem dias após o parto com infecções. Embora a administração alegue que as mortes não têm ligação com o ambiente hospitalar, em maio a Câmara Municipal ainda aguardava os laudos da investigação, e parlamentares apontavam falta de servidores no local.
* A jornalista foi convidada a falar sobre violência contra a mulher, racismo e a Marcha das Mulheres Negras no evento, do qual também participou a pesquisadora Suelaine Carneiro, do Geledés – Instituto da Mulher Negra.