(O Estado de S. Paulo) “Discordo quando dizem que a mulher precisa ter um passado perfeito para acusar um homem de estupro nos EUA. Eu condenei réus acusados por prostitutas e traficantes. Todo mundo comete erros e, no fim, o que o júri quer ouvir é a verdade sobre um crime.” É o que afirma a norte-americana Allison Leotta, ex-procuradora para crimes sexuais, que acredita que, se não fosse o risco de fuga do ex-diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, ele nem teria sido preso. “As inconsistências nas versões de [Nafissatou] Diallo teriam impedido a prisão e o indiciamento de DSK, diz Allison. Mas o caso começou mal, sob o fantasma do diretor Roman Polanski, há 34 anos fugitivo da Justiça americana”, escreve a jornalista Lúcia Guimarães. Leia a seguir alguns trechos do artigo:
“A Rainn, maior ONG de combate à violência sexual nos Estados Unidos, afirma que mais de 60% dos casos de ataque sexual nunca são relatados à policia. Depois que o procurador Cyrus Vance Jr. retirou a acusação contra Dominique Strauss-Kahn, na terça-feira, alegando ter perdido a confiança no testemunho de Diallo, a pergunta que se faz nos Estados Unidos é: esse caso vai provocar um retrocesso e convencer mulheres a não acusar homens poderosos de crimes sexuais?” Alisson Leotta acha que a resposta provável é sim, mas ela espera que o efeito não seja duradouro.
Erros e acertos da promotoria
“Concordo com a decisão de Cyrus Vance Jr. Não vejo como ele poderia prosseguir nas condições em que se encontrava, depois de tudo que descobriu sobre a credibilidade da mulher. Afinal, ela mentiu sob juramento. Mas eu teria agido de maneira diferente no começo. Os principais problemas deste caso se devem às primeiras decisões. No cenário ideal, as mentiras da arrumadeira teriam sido descobertas antes da prisão e do indiciamento. O correto, nesses casos, é fazer a investigação com o grande júri, quando se tenta descobrir tudo sobre vítima e acusado, para saber se o caso deve seguir para o júri popular. A situação dos promotores era difícil porque a França não tem acordo de extradição com os Estados Unidos, de modo que eles agiram sob pressão. Imagino que o Vance Jr. pensou: ‘Vou me arrepender se deixar o DSK embarcar’. O fantasma do caso Roman Polanski ainda assombra promotores.”
O passado de vítimas e acusados
“Discordo quando dizem que a mulher precisa ter um passado perfeito para acusar um homem de estupro nos EUA. Eu condenei réus acusados por prostitutas e traficantes. Todo mundo comete erros e, no fim, o que o júri quer ouvir é a verdade sobre um crime. Se outras mulheres tivessem se oferecido para depor no tribunal sobre um incidente semelhante ao do Sofitel o juiz poderia ter admitido os testemunhos. Mas não adianta alegar que um réu é mulherengo ou trai a mulher, só se admitem sinais de comportamento diretamente ligados ao crime de estupro.”
A defesa de Nafissatou Diallo
“Devemos notar que o interesse do Judiciário não está alinhado ao interesse da vítima. O mais comum é o advogado de defesa esperar até a conclusão do processo criminal antes de mover o processo civil. Por não ter esperado, o advogado de Diallo, Kenneth Thompson, abriu a porta para a percepção de que havia interesse financeiro no caso. Ao desfilar a cliente na mídia, ao dar declarações gráficas sobre o incidente, ele estava claramente tentando forçar a mão do promotor. Já o processo civil tem exigências menores de provas materiais. Requer apenas o que chamamos de ‘preponderância de evidências’.”
Leia na íntegra: Espectro Polanski, por Lúcia Guimarães (O Estado de S. Paulo – 28/08/2011)