Manifestantes tomam as ruas do Rio de Janeiro contra “cura gay”

26 de setembro, 2017

“Não vai ter cura, vai ter luta!” foi o grito que ecoou no Centro do Rio, na noite de sexta (22), em ato contra a patologização das identidades LGBTs e a LGBTfobia. A manifestação que se concentrou nas escadarias da Alerj, tomou a Avenida Primeiro de Março com uma grande bandeira arco-íris, passando pela Avenida Rio Branco, até alcançar a Cinelândia. O ato foi organizado depois que a Justiça Federal do Distrito Federal permitiu, em caráter liminar, que psicólogos possam fazer terapias de “reversão de orientação sexual”, contrariando resolução do Conselho Federal de Psicologia de 1999 que estabelece as normas de conduta dos profissionais no tratamento de questões envolvendo orientação sexual.

Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho mobilizou a comunidade LGBT no país e o conjunto da sociedade civil contra o preconceito e a patologização das identidades LGBT. Os motes “Amor não é doença”, “Cure seu preconceito” e “Sou psicólogo e tenho lado: Digo não à LGBTfobia”, circularam amplamente pelas redes sociais, no decorrer da semana. No ato, os manifestantes também cantaram contra a violação de direitos humanos e a retirada de direitos, pelo Fora Temer, Fora Pezão, Fora Crivela e Fora Bolsonaro.

Para a integrante da Coletiva Sapa Roxa e uma das organizadoras do ato de sexta, Camila Marins, o resgate de um projeto de “cura gay” evidencia o fortalecimento de um projeto político alinhado ao fundamentalismo religioso, que tem como objetivo retirar direitos das pessoas LGBTs, das mulheres e das pessoas negras com o intuito de instaurar uma hegemonia em que estas populações não estejam incluídas.

“Sabemos que esse é um projeto de poder político, econômico, social e de extermínio. Há forte ligação econômica das igrejas e de determinados grupos religiosos que vendem a possibilidade de reversão de orientação sexual como forma de ganhar dinheiro e obter lucros. Estar nas ruas hoje é lutar contra o conservadorismo, pela democracia, pelo direito das pessoas LGBTs, pobres, negras e por uma sociedade justa e igualitária”, disse no ato.

Camila também ressaltou que a ‘a cura gay para as mulheres lésbicas é o estupro corretivo’. “Para além do charlatanismo disfarçado de tratamento psicológico, nós sabemos que práticas como a do estupro corretivo ainda são cotidianas em nossa sociedade. Se permitirmos que esses projetos sigam em frente, vamos permitir outras práticas ainda mais violentas e nós mulheres lésbicas vamos sofrer muito”, finalizou.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se posicionou contrário à ação e irá recorrer da decisão. O CFP reiterou que a homossexualidade não é uma doença e que as terapias de reversão sexual não surtem efeito, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico. Para a psicóloga e professora da UFF Bianca Novaes, além da decisão ser um desrespeito do ponto de vista ético com a população LGBT, também é uma afronta à competência técnica e científica do CFP.

“Além do desrespeito aos direitos humanos e à diversidade sexual, trata-se do judiciário incidindo em um conselho profissional, como se esse tipo de instância tivesse competência para legislar sobre a resolução de um conselho federal profissional. As propagadas técnicas de reversão sexual não têm qualquer respaldo científico. O Conselho não pode se responsabilizar pela aplicação de uma técnica que provoca danos, culpabilização e até suicídios, diante do fracasso de técnicas que obviamente não funcionam”, ressaltou, no ato, a professora que também integra a diretoria da Aduff-SSind.

“Não preciso de cura, preciso de emprego!”
“Eu sou travesti e sou preta e não preciso de cura, preciso de trabalho, preciso de emprego”, afirmou, em cima do carro de som, a travesti Luísa, que narrou uma vida de exclusão e marcada pelo preconceito e pela falta de oportunidade. Se a homossexualidade já foi excluída do Catálogo Internacional de Doenças (CID) desde 1990, as identidades trans ainda permanecem na lista das patologias. O Catálogo já sofreu 10 revisões onde doenças foram excluídas e incluídas, mas a transexualidade permanece sendo catalogada na seção F64 — Transtornos da identidade sexual.

Texto: Lara Abib/ da Redação da ADUFF
Fotos de Luiz Fernando Nabuco em: https://goo.gl/KxfTyr

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