G1 analisou as 86 mortes violentas no estado de 21 a 27 de agosto. Relação com o crime organizado não está tão evidente, diz especialista. Houve um caso de feminicídio por dia no estado.
(G1, 26/09/2017 – acesse no site de origem)
Mortes premeditadas, vinganças, assassinatos em bares e festas, mortos pela polícia e pelos maridos dentro de casa. Esses são os exemplos mais frequentes entre as 86 mortes violentas registradas pelo G1 em todas as cidades no estado de São Paulo na semana de 21 a 27 de agosto.
Como houve uma suspeita de latrocínio e, a princípio, uma morte por um desconhecido (depois de um estupro), é possível dizer que, nesse período analisado, apenas duas pessoas no estado foram mortas por bandidos ao acaso. O levantamento é uma amostragem feita imediatamente após os crimes, portanto sem investigações concluídas.
PÁGINA ESPECIAL: quem são as vítimas
Das 86 mortes, 19 foram premeditadas, como vinganças ou brigas de vizinhos, 15 foram mortos pela polícia – 14 pela Polícia Militar e 1 pela Polícia Civil –, 14 pessoas se mataram, 12 morreram em bares e festas ou imediatamente após saírem desses locais, sete foram feminicídios e uma morte após estupro.
Também foram registradas seis mortes relacionadas diretamente às drogas, nove corpos encontrados em rios e estradas, sem informações sobre a motivação do crime, um patricídio, uma pessoa morta em um incêndio e um policial militar aposentado morto por um suspeito de assalto.
Cinquenta e oito mortes ocorreram no interior e 28 na Grande São Paulo, incluindo a capital paulista. Entre os suicídios, há ao menos três jovens com menos de 21 anos.
Monitor da Violência
O levantamento do G1 buscou registrar na semana de agosto todas as mortes violentas ocorridas no Brasil. O trabalho é o ponto de partida de uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O projeto tem um nome: Monitor da Violência. Com uma série de iniciativas que envolvem reportagem e análise de dados, o projeto vai fazer o acompanhamento desses e de outros casos de violência no país.
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo “informou que as políticas de combate aos crimes contra a vida desenvolvidas no Estado resultaram na queda expressiva de ocorrências deste tipo. São Paulo tem a menor taxa de homicídios do Brasil.”
“As políticas públicas de combate aos crimes contra a vida permitiram que o Estado atingisse o índice de 7,77 casos por 100 mil habitantes, patamar mais baixo da série histórica iniciada em 2001, com redução de 76% desde então. A taxa do país é de 25,7 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo como anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública”, diz a nota (leia íntegra no final da reportagem).
Conflitos interpessoais
Dois homens chegam a pé em um bar na periferia de Campinas, no interior de São Paulo, na segunda-feira (21). Segundo testemunhas, eles atiraram contra Cristiano Prudenciano Câmara e não roubaram nada.
O borracheiro Izaque Gonçalves da Cruz, de 36 anos, é esfaqueado e morto pelo vizinho na madrugada de domingo (27) na Zona Sul de São Paulo. Também no domingo, Helton Ewertton Costa Xavier, de 22 anos, foi morto a tiros após discutir com o motorista de um carro durante baile “pancadão” em Osasco, na Grande São Paulo.
Esses três exemplos de assassinato foram os mais recorrentes na semana. São mortes classificadas “como decorrentes de conflitos pessoais diversos, que se ligam mais à dinâmica da sociedade brasileira em relação à violência do que ao movimento em si do crime organizado”, explica o diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.
“São crimes que até podem ser influenciados pelo crime organizado em razão do acesso à arma, mas que mostram que o problema é multicausal e não pode ser resumido a uma única determinante. A violência faz parte das nossas relações sociais e as políticas públicas precisam ter claro que ou criam estratégias para preveni-la ou nada surtirão efeito se estruturadas apenas no enfrentamento”, completa.
Para Renato, o enfrentamento a esses homicídios decorrentes de conflitos interpessoais não pode ser feito apenas pela polícia.
“Outros atores que podem atuar no controle de preditores como armas, álcool etc. Isso joga luz para a prevenção e para a participação dos municípios, em especial na gestão dos espaços públicos (iluminação, transportes, alvarás de bares, fiscalização de comércio, etc), e o governo federal no controle de armas de fogo. O Judiciário e o Ministério Público também precisam melhorar as respostas aos crimes. O fundamental é coordenar esforços com vistas a solucionar problemas específicos, cabendo criar espaços de planejamento e deliberação que articulem as iniciativas, como os conselhos gestores do SUS”, diz.
Segundo Marcelo Nery, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), em alguns locais da capital, os homicídios ocorrem com menos frequência devido à ação de integrantes de organizações criminosas. “Existe um tribunal do crime onde esses homicídios não ocorrem sem a autorização de integrantes dessas organizações”, explica.
Não é vantajoso para esses grupos, segundo Nery, trazer atenção ao local onde eles atuam, como pontos de tráfico, por exemplo. “Algumas organizações, como o PCC, estão presentes na inter-relação dos indivíduos e no cotidiano das pessoas. Nesses lugares não é interessante para eles praticar atos violentos, uma vez que isso chama atenção para intervenção das autoridades, dificultando comércio no local”, disse Nery.
Um feminicídio por dia no estado
Na tarde de segunda-feira (21), uma mulher foi esganada e morta pelo namorado no Jardim Ângela, na Zona Sul da capital paulista. O pai do assassino procurou a Guarda Civil Metropolitana (GCM) para dizer que seu filho havia matado a namorada em um barraco e fugido.
No mesmo dia, um policial militar matou a ex-mulher no bairro do Canindé, no Centro da cidade. A vítima estava em casa com o filho do casal, de sete anos. Após o crime, o policial fugiu com a criança. Horas depois, porém, se entregou à polícia. No domingo (27), uma mulher de 32 anos foi morta estrangulada pelo namorado na madrugada, em Angatuba, interior de São Paulo, após sair da festa de noivado da irmã.
Essas são 3 das 12 mulheres que morreram violentamente em São Paulo naquela semana de agosto. Dessas 12, três foram suicídios, uma por relação a alguma dívida de drogas, uma após um estupro e a ampla maioria, sete, mortas por seus maridos ou ex-companheiros – o chamado feminicídio. Dos sete feminicídios, cinco ocorreram na Grande São Paulo, e dois foram registrados com o termo correto no estado.
Com isso, é possível dizer que a maioria das mulheres mortas no estado morre pelo fato de ser mulher.
A socióloga Wânia Pasinato, da USP Mulheres, considerada uma das maiores especialistas de violência contra a mulher do país, diz que, apesar de a Polícia Civil registrar apenas alguns casos de mortes de mulheres por seus companheiros ou ex apenas como homicídio, o correto é feminicídio, porque está previsto em lei de 2015.
“Nesses casos em que você já tem o conhecimento da autoria, que sabe que foi um parceiro afetivo, seja companheiro, ex-companheiro, marido, ex-marido, namorado, ex-namorado, amante, e que pode ser classificado como violência doméstica, isso é feminicídio, porque corresponde a tipificação do artigo 121 justamente no inciso que fala de violência doméstica. Esses casos você pode afirmar que são feminicídio, mesmo a polícia não tendo classificado dessa maneira”, diz.
Wânia vai além e diz que outros casos, como a mulher que foi assassinada supostamente por uma dívida de drogas e a mulher morta após um estupro, também devem ser investigados como feminicídio.
“Nos outros casos, se existem situações em que as mulheres foram assassinadas por homens que não são seus parceiros afetivos ou não são familiares, ou seja, não entra na violência doméstica familiar, ou não há conhecimento sobre o autor, vão ser registrados pela polícia como homicídio. Eu acho que é importante problematizar. Esses casos deveriam ser investigados como feminicídio para poder identificar alguma razão de gênero como causa dessa morte”, afirma.
“Se isso determinou a morte, mesmo em um caso de cobrança de dívida de droga, se o fato de ter sido uma mulher de alguma maneira influenciou nessa morte, na forma como ela foi executada, ou na motivação que ela teve para além da questão das droga. A violência de gênero pode ocorrer fora da violência doméstica, porque ela tem causas estruturais”, diz a socióloga.
Para Wânia Pasinato, dizer que as “mulheres morrem mais em casa do que na rua e que morrem mais pelas mãos de maridos do que por outros autores pode ser verdadeiro, mas é também resultado de um discurso que acha que a violência contra a mulher e a violência doméstica são sinônimos, e que apenas nesses casos existem relações de gênero”.
Violência policial
Como o G1 antecipou, no primeiro semestre de 2017, policiais mataram o maior número de pessoas nos últimos 14 anos no estado de São Paulo se comparado com os primeiros seis meses dos anos anteriores.
Dados oficiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP) compilados pelo G1 e por Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que policiais militares e civis mataram 459 pessoas nos primeiros seis meses do ano – número inferior apenas ao do ano de 2003, quando o número foi de 487 vítimas.
A média de mortos pela polícia no semestre no estado, 2,5 por dia, foi a média registrada na semana do dia 21 a 27: pouco mais de duas por dia.
Os 15 casos das mortes por intervenção policial ocorreram, em sua maioria, após a polícia dizer que revidou à injusta agressão. Como no caso de Adriano Gonçalves, de 31 anos, que, de acordo com a PM, atirou contra os policiais, que reagiram e dispararam duas vezes em Poá, na Grande São Paulo.
Para Renato, governo estadual e Ministério Público têm que assumir maior controle dessas mortes.
“São Paulo tem que entender que mortes decorrentes de intervenção policial são hoje fator de medo, insegurança e acabam reforçando a violência como padrão de resposta. Um maior controle dessas ocorrências teria que ser assumido pelo governo estadual e pelo Ministério Público, que não tem refletido sobre os impactos de padrões de policiamento (o MP fica receoso de invadir a discricionariedade do executivo na execução de políticas públicas e, com isso, acaba por não exercer sua função de controle externo da atividade policial”, diz.
Facção paulista
É comum ouvir que a facção criminosa que age dentro e fora dos presídios, o PCC, pacifica o estado de São Paulo por não haver disputa no tráfico de drogas.
Segundo Renato, “há uma tendência que acredita na regulação do PCC, que existe, claro, mas esse movimento ocorre menos por regulação moral e mais pela ausência de disputas por biqueiras. Nesse processo, PCC e Estado fiam—se num equilíbrio precário de convergência de objetivos, o que é diferente de acordo formal, mas que nos faz compreender aceitações tácitas de que o monopólio do PCC é muito menos violento do que as disputas de território em outras unidades da federação”.
Ele diz que São Paulo não se difere muito do restante do país, porque “há uma ideologia em todo o Brasil de que o enfrentamento tem efeitos colaterais ‘aceitáveis'”. “Confrontos podem de fato gerar mortes, mas o volume não se justifica completamente. Temos que evitar esse tipo de mentalidade.”
Leia íntegra da nota da Secretaria da Segurança de SP:
“A SSP informa que as políticas de combate aos crimes contra a vida desenvolvidas no Estado resultaram na queda expressiva de ocorrências deste tipo. São Paulo tem a menor taxa de homicídios do Brasil. As políticas públicas de combate aos crimes contra a vida permitiram que o Estado atingisse o índice de 7,77 casos por 100 mil habitantes, patamar mais baixo da série histórica iniciada em 2001, com redução de 76% desde então. A taxa do país é de 25,7 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo como anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública.
O investimento contínuo em segurança, com a ampliação das forças policiais, aquisição de armas, equipamentos e recursos tecnológicos como o Detecta, permitiu ao Estado ampliar também a taxa de esclarecimento desses casos por parte do Departamento De Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Atualmente, o índice de resolutividade do órgão é 65%. A apreensão de armas de fogo é outra importante frente de atuação das polícias no combate À violência e os crimes contra a vida. Somente neste ano foram apreendidas 10.596 armas de fogo, sendo 158 fuzis.
O Estado é pioneiro no aprimoramento de políticas de segurança no combate à violência sexual e de gênero. Hoje, a SSP conta com 133 Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) – o que representa 35,8% de todas as DDMs do país, sendo nove delas localizadas na Capital, 16 na Grande SP e 108 nas cidades do Interior, cobrindo todas as regiões do Estado. O resultado desse trabalho pode ser mensurado pelo aumento do número de medidas protetivas solicitadas pela Polícia Civil. Só na capital paulista neste ano foram solicitadas 4.843 medidas, um aumento de 36% em relação ao mesmo período do ano passado.
A SSP desenvolve ações para reduzir a letalidade policial. Nos primeiros sete meses do ano, 858 ocorrências policiais foram registradas, nas quais 2076 criminosos entraram em confronto com PMs. Destes, 17% resultaram em óbito. Vale ressaltar que todos os casos de Mortes Decorrentes de Oposição à Intervenção Policial (MDIP) são investigados por meio de inquérito para apurar se a atuação do policial foi realmente legítima. Os casos só são arquivados após minuciosa investigação, seguida da ratificação do Ministério Público e do Judiciário.
Todo trabalho policial é norteado pelo aperfeiçoamento de métodos de gestão e equipamentos utilizados pela polícia paulista como o Infocrim, readequação das áreas das policias para planejamento operacional conjunto, além de estudos dos homicídios pela pasta, verificando a dinâmica do crime e disponibilizando recurso para as polícias.”
Glauco Araújo, Kleber Tomaz, Luis Ottoni e Will Soares. Colaboraram G1 Sorocaba, G1 Itapetininga, G1 Bauru, G1 Rio Preto, G1 Campinas, G1 Piracicaba, G1 Ribeirão Preto, G1 São Carlos e Araraquara , G1 Mogi e Suzano, G1 Vale do Paraíba e G1 Presidente Prudente