Segundo o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo teve o maior número de assassinatos, mas pouco mais de 10% foram classificados da forma correta
(Carta Capital, 30/10/2017 – acesse aqui)
Em Lagoa Grande, em Minas Gerais, uma mulher de 38 anos morreu após uma facada no tórax do namorado. Segundo vizinhos, ele era possessivo e violento. Em Curitiba, a vida de outra, de 26 anos, esvaiu-se em golpes de faca após uma briga com o companheiro. Na virada do ano, em Campinas, um técnico de laboratório matou 12 pessoas a tiros, entre elas, nove mulheres, incluindo sua ex-esposa.
O 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado nesta segunda-feira 29 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz o número de assassinatos de mulheres registrados em 2016: 4.657. O número representa uma mulher morta a cada duas horas. No entanto, do total, apenas 533 foram classificados como feminicídios, termo que designa o extermínio de vidas femininas em contextos marcados pela violência de gênero.
Em geral, tal crime viceja sob a subnotificação e a invisibilização. Entre os exemplos, estão mortes de mulheres nas mãos de parceiros ou ex-parceiros incapazes de aceitar um término ou a autonomia da mulher, segundo Dossiê do Instituto Patrícia Galvão.
São Paulo apresentou o maior número, cerca de 525 mulheres assassinadas, onde somente 54 casos foram notificados como feminicídio. Em segundo lugar está Minas Gerais, com 494 mortes e, em terceiro, Bahia, com 471 assassinatos. Já o menor número registrado em 2016 se deu em Roraima, 15 crimes.
Segundo Samira Bueno, diretora executiva do Fórum, a subnotificação demonstra a dificuldade de implementar a Lei do Feminicídio no primeiro ano após a promulgação da legislação, em março de 2015.
“A legislação tem sido aplicada de uma forma muito desigual. Existe uma subnotificação imensa e isso faz parte de um processo de aprendizado dos policiais ao registrarem esse tipo de ocorrência”.
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“Assim como todo policial aprende a atirar, também deve saber como lidar com mulheres em situação de violência”, afirma Bueno, ao relembrar o caso da mulher que foi morta pelo ex-companheiro dentro de uma viatura de polícia, em Minas Gerais.
No caso, o ex-companheiro não havia sido algemado quando eram conduzidos para uma delegacia. “Esse caso mostra um despreparo das polícias ao lidarem com a violência de gênero”, coloca.
Atualmente, existe um teto de 10% no ingresso de mulheres nas polícias. “Se temos essa limitação, como vamos imaginar que a corporação estará apropriada para lidar com as mulheres em situação de violência?”.
Olaya Hanashiro, cientista política e consultora sênior do FBSP, explica que o feminicídio é o desfecho fatal de uma série de violências contra a mulher. “Os dados de estuprolevantados mostram isso”.
Em 2016, foram quase 50 mil estupros notificados, em que 90% dos casos a vítima é mulher. O dado representa um crescimento de 3,5% em relação ao ano anterior. Algumas pesquisas mostram, porém, que a subnotificação dos casos de estupro andam entre 10% e 15%.
“Sabemos que precisamos trabalhar isso desde a socialização. A prevenção é com educação de gênero, que não é nada mais do que falar sobre equidade de gênero”, afirma.
Para Daniel Cerqueira, economista e membro do Fórum, a sociedade inteira é vítima quando uma mulher morre, “porque, nesse contexto, a linguagem da violência está se disseminando”.
“A criança que cresceu nessa situação de violência resolverá seus conflitos na mesma dinâmica, o que acaba criando uma espiral de mortes. Então pensar uma política que fale sobre violência de gênero nas escolas é fundamental”, afirma Cerqueira.
Segundo dados do Mapa da Violência 2015, do Brasil está entre os cinco países que mais mata mulheres no mundo. Está atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Nesse ranking, o Brasil tem quase 50 vezes mais assassinatos de mulheres do que no Reino Unido.
A Lei do Feminicídio foi criada a partir de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher, que sondou a violência de gênero no Brasil entre 2012 e 2013.
Por Caroline Oliveira