Filha de atores sofreu ataque racista nas redes sociais; legislação classifica ato como criminoso
(Nexo, 27/11/2017 – acesse no site de origem)
A filha do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank, Titi, foi alvo de ofensas por parte de uma brasileira supostamente residente no Canadá, conhecida por ataques a pessoas famosas.
“Ficam lá no Instagram de Bruno Gagliasso elogiando aquela macaca, a menina é preta, tem um cabelo horrível de pico de palha, tem um nariz de preto, e o povo fala que a menina é linda. Essas mesmas pessoas vêm no meu Instagram e vêm me criticar por minha aparência. Filha não é. Como duas pessoas brancas, de olhos claros, vão ter uma filha preta?”, disse em um vídeo publicado no Instagram a mulher, que se apresenta como Day McCarthy.
Titi foi adotada pelo casal de atores no Malawi, em processo formalizado em 2016. Gagliasso e Ewbank também mantêm uma escola no país africano. McCarthy, que, segundo o UOL, tem como nome verdadeiro Daiane Lopes, vem sendo identificada como “socialite” na imprensa. Não está claro o que ela faz. As redes sociais trazem fotos suas com outras personalidades. Seu site diz que ela é autora de quatro livros, mas sem mencionar os títulos.
Gagliasso prestou queixa contra a mulher. Segundo o ator, a delegada que o atendeu lhe disse que Lopes “cometeu um crime, ela pode estar em qualquer lugar do mundo, ela vai ter que responder por isso”.
Para o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, se a mulher é brasileira, pode ser processada por injúria racial no Brasil, mesmo que tenho sido naturalizada ou resida em outro país. “O fato de o crime ter sido praticado em outro país não a exime de ser processada aqui”, explicou ao Nexo.
A diferença entre injúria racial e racismo
INJÚRIA RACIAL
Especificado no artigo 140 do Código Penal, terceiro parágrafo. É quando se ofende uma ou mais vítimas, por meio de “elementos referentes à raça, cor, etnia, religião e origem”. É um crime inafiançável e prescreve em oito anos, a partir do momento da injúria. A pena de reclusão é de um a três anos, mais multa.
RACISMO
Previsto em lei específica, a 7.716/1989. É um crime contra a coletividade e não contra uma pessoa ou grupo específico. Pode ser tanto dizer “todos os negros são macacos”, como recusar acesso a estabelecimento comercial ou elevador social de um prédio. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível. A pena também vai de um a três anos e multa.
O argumento da liberdade de expressão
Em 2003, o STF (Supremo Tribunal Federal) confirmou a condenação por racismo do empresário e escritor Siegfried Ellwanger por 8 votos a 3. Ellwanger publicou diversos livros com temas como o anti-semitismo, como os “Protocolos dos Sábios de Sião”, e a negação do Holocausto, no livro “Holocausto – judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século”.
O caso suscitou uma ampla discussão no STF a respeito da liberdade de expressão. A redação do acórdão diz que “o preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica”.
“Nos crimes de racismo, este tipo de argumento é mais usado”, afirmou Botelho. “Na injúria racial, como é dirigida especificamente a uma pessoa e há uma lei que diz especificamente que é crime fazer isso, é uma tese de defesa muito menos plausível do que em um crime de racismo. Na minha opinião, tanto em um como em outro não há o que se falar em cerceamento de liberdade de expressão. É racismo sim, injúria racial, sim, não liberdade de expressão; a lei prevê punições e veda este tipo de manifestação e acabou”.
A subjetividade das interpretações
Para alguns especialistas, existem delegados e juízes que tendem a desqualificar ou minimizar o componente racial em alguns casos de agressão ou injúria. Em episódios assim, uma agressão ou injúria por motivos raciais é tratada apenas como crimes simples de agressão ou injúria.
Em um episódio ocorrido em novembro de 2017, o ator Diogo Cintra conta ter sido “segurado com força e violência” por seguranças do terminal de ônibus Parque Dom Pedro II, no centro de São Paulo, que o teriam confundido com um criminoso depois de ele sofrer uma tentativa de assalto. O delegado que tratou do caso entendeu que não houve racismo no episódio.
“A tendência, tanto dos delegados quanto dos juízes, é de desqualificar, ou seja, entender que é somente injúria, por falta do elemento racial, ou ainda, decidir que sequer existiu o crime em alguns casos. Mas precisamos entender que o racismo não acontece apenas quando chamamos alguém de macaco”, disse a advogada e pesquisadora em Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), Julia Drummond, ao Huffington Post.
Para Botelho, a lei que trata do crime de racismo poderia ter uma redação melhor, mas no caso da injúria racial, quando há uma vítima específica, o texto é bem claro. “Não há muita abertura para um entendimento diferente, mas todos sabemos que o Direito não é uma ciência exata”, pontuou. No caso de piadas politicamente corretas, situadas mais no campo do racismo do que da injúria, “você pode ponderar que não havia intenção de ofender, mas acho que nos dias de hoje isso é um argumento extremamente frágil. Não existe piada politicamente correta ou incorreta, existe racismo ou não racismo.”
De acordo com o criminalista, a Justiça brasileira cada vez menos entende este tipo de manifestação como inofensiva. “Os tribunais vêm acompanhando a modernização, vamos chamar assim, desse conceito. A resposta dos tribunais tem ido cada vez mais nesse sentido”, declarou ao Nexo.
ESTAVA ERRADO: Na versão original deste texto, havia uma imprecisão a respeito do episódio com Diogo Silva. O ator não usa a palavra “agredido” em seu relato nas redes sociais, mas afirma ter sido “segurado com força e violência” pelos seguranças do terminal de ônibus Parque Dom Pedro II. A informação foi corrigida às 17h10 de 28 de novembro de 2017.
Camilo Rocha