Cultura distribuirá R$ 80 milhões; metade deve ir para cineastas mulheres
(Folha de S.Paulo, 06/02/2018 – acesse no site de origem)
Duas semanas após alardear dados sobre a baixa participação de negros e mulheres no cinema brasileiro, o Ministério da Cultura anunciará nesta quarta (7) um conjunto de 11 editais para filmes, séries e jogos eletrônicos com cotas para minorias.
Serão destinados R$ 80 milhões para cerca de 200 projetos. Um quarto deles deverá ter diretores negros ou indígenas, e metade, mulheres. Os critérios são autodeclaratórios.
Também haverá percentual mínimo para realizadores iniciantes (40%) e para projetos de fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro (50%).
“Queremos induzir uma descentralização dos recursos”, afirma o ministro Sérgio Sá Leitão. Ele diz que esse é o maior pacote de editais do audiovisual da história.
Em janeiro, a pasta divulgou levantamento mostrando que, dos 142 longas nacionais lançados em 2016, só 2% foram dirigidos por negros. Além disso, como antecipado pela Folha no ano passado, só 20% tinham cineastas mulheres à frente.
Os recursos para isso virão do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), gerido pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) e pela Secretaria do Audiovisual, essa última subordinada ao ministério.
Mais da metade do orçamento total desses 11 editais será destinado a produções infantis, incluindo curtas, longas, séries, animações e produtos transmídia, isto é, cujo conteúdo dá origem a obras audiovisuais e games.
“A produção infantil ainda é muito pequena, e esse é um público que consome conteúdo cada vez mais”, diz Sá Leitão, que também vê potencial internacional no gênero.
Dentro do pacote de 11 editais, a pasta da Cultura anunciou ainda que um deles, num valor total de R$ 6 milhões, será voltado para projetos sobre os 200 anos da Independência do Brasil, data que se comemora em 2022.
PAIS FUNDADORES
A iniciativa em questão é motivo de controvérsia desde que o ministro a anunciou, em seu perfil numa rede social.
Numa foto, ele posa com Mauro Ventura, diretor de documentário sobre José Bonifácio, que Sá Leitão chama de um dos nossos “founding fathers” (nome que designa os pais fundadores dos EUA).
Ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura, o cineasta João Batista de Andrade diz ter “preocupação” com um eventual direcionamento da produção pelo governo.
“Quem deve se preocupar com temas são os próprios cineastas, ou corre-se o risco de certo oficialismo”, diz. “Acho que o pessoal até teve boas intenções, mas isso não basta para tirar esse ar indutor. O governo deveria se abster.”
Ex-dirigente da Ancine, Vera Zaverucha também se opõe à ideia de editais temáticos. “Hoje comemoram a Independência do Brasil, amanhã sabe-se lá o que vão comemorar com dinheiro do fundo.”
Ela defende que os recursos do FSA sejam voltados ao desenvolvimento da área audiovisual brasileira, e não ao apoio de projetos do governo.
“Esse tipo de ação não tem relação com o setor em si”, diz ela. “Se existe necessidade de criar conteúdos específicos, isso tem de ser feito de outra forma, e não pelo FSA.”
Ela diz ter receio pelo que pode soar como interferência do Ministério da Cultura em ações que são da Ancine. A agência é hoje presidida por Christian de Castro, apadrinhado político do ministro.
Para Sá Leitão, não há risco de dirigismo. “O comitê gestor do FSA tem representantes do governo e da sociedade civil”, afirma. Ele também diz achar razoável a ideia desse recorte temático.
“É a data mais importante da história do Brasil, diz. Foi quando a ideia de construção de um país autônomo e soberano foi consagrada.”