“O silêncio da vítima não pode ser considerado como aceitação da conduta sexual”, alerta Ministério Público do Trabalho.
(HuffPost Brasil, 13/02/2018 – acesse no site de origem)
A subnotificação é um dos principais problemas do assédio sexual no trabalho. Sem uma dimensão precisa das violações no Brasil, mas com o objetivo de combatê-las, essa cartilha do Ministério Público do Trabalho (MPT) traz o um passo a passo do que fazer nessa situação.
Um dos pontos fundamentais é a proteção da vítima, que muitas vezes está em uma situação em que sente que irá ser prejudicada na carreira, se denunciar a violação.
“O silêncio da vítima não pode ser considerado como aceitação da conduta sexual nem desconfigura o assédio sexual no trabalho.”
A cartilha explica quando o assédio sexual no trabalho é considerado crime, como evitá-lo e como denunciá-lo. O documento na íntegra pode ser conferido aqui.
Cabe ao MPT promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defesa de interesses coletivos de trabalhadores. O órgão também é responsável por instaurar inquéritos civis e outros procedimentos administrativos.
1. O que é assédio sexual no trabalho?
Assédio sexual no ambiente de trabalho é a conduta de natureza sexual imposta a pessoas contra sua vontade, de modo a violar a liberdade sexual e causar constrangimento. Nesse relação, não há consentimento consciente da vítima.
Não é necessário contato físico para ser caracterizada uma violação. Ela pode acontecer por meio de palavras ou gestos, por exemplo. É o caso de imagens enviadas por e-mails, comentários em redes sociais ou presentes.
Há dois tipos de assédio no trabalho. O por chantagem é quando há exigência de uma conduta sexual em troca benefícios ou para evitar prejuízos na carreira.
Já o assédio por intimidação é aquele com provocações sexuais inoportunas no ambiente de trabalho, de modo a prejudicar o desempenho do funcionário e provocar intimidação ou humilhação.
Confundido alguma vezes com o assédio moral, ele é caracterizado pela “insistência, impertinência, hostilidade praticada individualmente ou em grupo, manifestando relações de poder ou de força não necessariamente de hierarquia”, de acordo com a cartilha.
2. Assédio sexual é crime?
O assédio sexual por chantagem é considerado crime. Desde 2001, o art. 216-A do Código Penal prevê de um a dois anos de prisão para quem “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição se superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício, emprego, cargo ou função”.
Na esfera trabalhista, contudo, ainda não há lei específica prevendo sanção ao assédio sexual quando não há chantagem e relação hierárquica, ou seja, entre colegas. Isso não significa que a conduta não possa ser punida. A prática pode ser individual ou coletiva, da mesma forma a vítima pode ser uma ou muitas.
De acordo com o MPT, a Lei n° 8.112/1990, que regulamenta o serviço público, por exemplo, permite que o assédio se enquadre como violação de boa conduta, urbanidade e moralidade administrativa. O servidor pode ser punido até mesmo à perda da função pública do agente.
Na esfera estadual, alguns estados também possuem legislação específica sobre assédio sexual no serviço público. Tanto a União, quanto os estados ou municípios podem ser responsabilizado civilmente por danos materiais e morais sofridos pela vítima.
3. Precisa acontecer dentro do trabalho?
Para ser considerado assédio sexual no trabalho, a violação não precisa acontecer exatamente no ambiente de trabalho, mas precisa estar vinculada à relação trabalhista.
É possível que aconteça, por exemplo, nos intervalos, locais de repouso e alimentação, antes do início do turno ou após o término, durante caronas ou transporte entre trabalho e residência.
Além de chefes ou colegas, também é considerado assédio quando a violação parte de cliente do estabelecimento ou prestadores de serviço.
4. É assédio se acontecer uma única vez?
A regra geral é que o assédio é caracterizado pela conduta insistente do assediador. O MPT ressalta, contudo, que é possível que um caso concreto seja considerado uma violação, mesmo em um momento isolado.
5. O que fazer para evitar com o assédio
Para evitar que o assédio sexual no trabalho ocorra, a cartilha recomenda que a pessoa diga “não” claramente ao assediador, evite ficar sozinha no mesmo local que o abusador e anote com detalhes as abordagens, incluindo dia, hora, local, setor e nome do agressor, além de colegas que testemunharam o fato.
Outra recomendação é procurar a ajuda de colegas e reunir provas, como bilhetes, e-mails, mensagens em redes sociais e presentes.
A cartilha lembra que gravação de conversas ou imagens por um dos envolvidos no ato são admitidas como provas, ainda que tenham sido registradas sem conhecimento do agressor.
6. Onde fazer a denúncia?
A denúncia de assédio sexual no trabalho pode ser feita em espaços de confiança da empresa, como ouvidorias e urnas de sugestão; em relatos a superiores; em sindicatos e associações, nas gerências do Ministério do Trabalho e no Ministério Público do Trabalho da sua localidade.
A formalização da denúncia no MPT também pode ser feita pelo site. É preciso clicar na Procuradoria Regional do seu estado e relatar os fatos.
Também é possível registrar a violação em delegacias especializadas no atendimento à mulher, caso a vítima seja mulher, ou mesmo em uma delegacia comum.
A vítima pode ainda buscar assistência jurídica para ajuizar uma ação na Justiça do Trabalho. Nesse tipo de processo, é possível buscar alterações do contrato trabalhista, como mudança do local ou horário de trabalho, rescisão indireta e indenização por danos morais.
Para haver indenização por danos materiais, é preciso provar gasto específico decorrente do assédio, como compra de remédios por adoecimento físico ou mental devido à violação, prejuízo em promoção ou salário e perda de função por não ceder à chantagem sexual.
Se houver danos à saúde mental e física do trabalhador, a lesão poderá ser considerada doença ocupacional. A vítima tem direito então a dreitos como recebimento de auxílio previdenciário, adaptação de função ou horário e estabilidade no emprego após o fim do benefício previdenciário.
Há casos ainda em que o assédio sexual no trabalho pode ser considerado um ato discriminatório, especialmente devido ao componente de gênero. Nessas situações, é aplicada a Lei n.º 9.029/95, que prevê reintegração no trabalho ou recebimento do dobro do valor de remuneração no período de afastamento.
7. Como o empregador previne o assédio na empresa?
O empregador é responsável pela prática do assédio sexual no trabalho, ainda que ele não seja o agressor, alerta o MPT.
Para evitar esse tipo de violação, a cartilha recomenda:
- Criar canais de comunicação eficazes e com regras claras de funcionamento, apuração e sanção de atos de assédio, que garantam o sigilo da identidade do denunciante;
- Inserir o assunto em treinamentos, palestras e cursos em geral;
- Incluir o tema na semana interna de prevenção de acidentes de trabalho;
- Capacitar os integrantes do serviço médico, dos recursos e humanos e em cargos de chefia;
- Estabelecer regras de conduta a respeito do assédio sexual nas normas internas da empresa, prevendo inclusive as punições;
- Negociar com os sindicatos da categoria cláusulas sociais em acordos coletivos de trabalho, para prevenir o assédio sexual.
8. Como o assediador pode ser punido?
No âmbito administrativo, algumas das sanções possíveis para o agressor são mudar o setor ou função do agressor, alterar a jornada de trabalho e até mesmo dispensa por justa causa.
O assediador também poderá ser réu em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho ou por uma entidade sindical.
Há ainda as punições civis e penais citadas, como detenção de até dois anos nos casos em que há chantagem.