Muitas vezes na linha de frente do tráfico de drogas, mulheres têm sido mortas por pertencerem a grupos rivais
(El País, 26/03/2018 – acesse no site de origem)
No início deste mês, um vídeo que circulou nas redes sociais chocou o Ceará. Ele mostrava três mulheres sendo torturadas antes de serem assassinadas em uma área de mangue no município de Caucaia, na Grande Fortaleza. “A gente era do CV [Comando Vermelho] e agora está rasgando a camisa deles e colocando a da GDE [Guardiões do Estado]”, afirma uma delas à câmera. As três foram decapitadas — uma delas, ainda em vida. Enterradas pelos criminosos, seus corpos só foram encontrados uma semana depois, depois que um dos suspeitos apontou o local para a polícia. Na guerra das facções que tomou o Estado, o crescimento de homicídios de mulheres chama a atenção: em um ano, este número praticamente dobrou e, no início deste ano, se elevou quase 300%. Segundo a polícia, isso tem ocorrido porque muitas delas estão na linha de frente da disputa pelo tráfico.
“São casos que não podemos entender como feminicídio [quando o crime ocorre por causa de um ódio de gênero]”, explica Maurício Júnior, delegado titular do 30° DP, que atende a área do entorno do bairro Jangurussu, onde Comando Vermelho e Família do Norte, de um lado, e Guardiões do Estado e Primeiro Comando da Capital, de outro, disputam o controle do tráfico de drogas. A morte delas geralmente tem as mesmas características violentas que a de homens assassinados nestas áreas. “Muitas morrem com as mãos amarradas e vários disparos na cabeça. É algo típico de execução”, afirma ele. “Aqui, em 90% dos casos, essas mortes estão relacionadas com o tráfico de drogas.”
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, o número de homicídios entre mulheres aumentou 73,3% no Estado entre 2016 e 2017. Passou de 210 para 364. No mesmo período, o de homens aumentou 49,3% (de 3.191 para 4.764). Os dados deste ano, entretanto, são ainda maiores. Nos dois primeiros meses de 2018 morreram 96 mulheres, ante 25, no mesmo período do ano passado —um aumento de 284%. Dos casos deste início de ano, apenas quatro foram feminicídios. E quase metade das que morreram tinham entre 12 e 24 anos.
André Costa, o secretário da pasta, afirma que, além do aumento no número de assassinatos entre elas, cresceu também em 70% a quantidade de mulheres presas entre 2016 e 2017 —entre os homens, este aumento foi de 20%. Um estudo realizado pela secretaria no ano passado analisou o perfil de 1.300 vítimas de assassinatos no Estado. “A principal hipótese que temos deste aumento nas mortes de mulheres é o envolvimento delas nas facções. Quando olhamos os casos de feminicídio, houve uma redução de 50% no Estado”, ressalta ele.