A resposta é: não se sabe. Ajufe diz que houve omissão relevante em último censo e pede que CNJ levante o dado
(Jota, 18/04/2018 – acesse no site de origem)
Quantas magistradas negras existem no Brasil? Onde elas estão alocadas? Para responder a estas perguntas, a Associação de Juízes Federal do Brasil (Ajufe) enviou um pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última terça-feira (10/4). A associação busca justamente entender como as mulheres negras estão representadas — mais precisamente sub-representadas — na magistratura.
Segundo a Ajufe, o Censo do Poder Judiciário, cuja última realização data de 2014, tem “omissão relevante relativa à representatividade das juízas mulheres negras”, que precisa ser sanada.
“O conhecimento e divulgação dos dados referentes às mulheres negras que integram a magistratura é condição necessária para que se conheça o perfil do Poder Judiciário na integralidade, considerando todos os critérios de relevo social, na esteira do que ocorre nos levantamentos estatísticos de institutos públicos e privados nacionais e internacionais, e se proponham políticas públicas que o aperfeiçoem e ampliem sua legitimidade democrática”, diz o documento.
A entidade também pediu que o CNJ inclua no novo questionário sobre o “Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros”, que começou a ser enviado a magistrados na semana passada, perguntas e resultados sobre os dados de mulheres negras no Poder Judiciário.
Na peça enviada ao CNJ, a Ajufe destaca que 73,8% dos juízes federais são homens. Nos Tribunais Regionais Federais, a representação feminina beira os 20% dos componentes ativos. Além disso, o Censo Judiciário apurou que 80,9% dos juízes brasileiros são brancos e que apenas 19,1%, negros.
“Mas, como se pode ver, não houve o cruzamento específico dos dados entre raça e o gênero de magistradas, invisibilizando-se não apenas o quantitativo de juízas que são mulheres negras, mas a própria identidade desta categoria de magistradas enquanto segmento, o que, por certo, tem prejudicado a formulação de políticas públicas”, diz trecho do pedido de providências
A Ajufe sustenta que, apesar de um novo levantamento estar sendo realizado, os dados colhidos em 2013 seguem necessários para mostrar a evolução – ou não – da representatividade de mulheres negras no Judiciário.
“Os elementos colhidos pelo Censo demonstram que elevada quantidade de juízas se sente afetada em sua vida pessoal em maior medida dos que os seus colegas homens, vivenciando dificuldade adicional em processos de remoção ou promoção ou reações negativas de outros profissionais do sistema de justiça por serem mulheres”, diz o documento.
A entidade também ressalta que diversos levantamentos estatísticos realizados no país mostram que mulheres negras têm o “maior índice de vulnerabilidade no quadro de desigualdades sociais, qualquer que seja o recorte utilizado: gênero, renda, educação, violência, saúde, entre outros”.
“Esse quadro social impõe o reconhecimento da necessidade de se considerar à subordinação aos dois marcadores sociais relevantes (gênero e raça), como fator necessário a compreensão de sua realidade social, bem como do funcionamento das instituições públicas e privadas”, diz o documento.
“Extremamente importante”
Para a juíza do Trabalho Mylene Pereira Ramos, integrante do Fórum Permanente da Magistratura e Ministério Público pela Igualdade Racial, a iniciativa da Ajufe é extremamente importante.
Ela avalia que o Censo de 2014 já mostrou uma discrepância na representatividade na magistratura. Mas com um recorte que cruze as informações de gênero com raça será possível demonstrar a sub-representação.
“Consistentemente estamos tentando mudar esta realidade. Mas não temos dados. Sem informação, fica mais difícil. Hoje, inferimos que o número de mulheres negras, por exemplo, é muito menor do que o de homens negros, mas não temos o dado específico”, diz a juíza.
“Mulheres negras têm mais tempo de escolaridade do que os homens negros, por exemplo, e continuam recebendo salários menores. Elas são sub-representadas em setores de poder”, afirma. “Sempre falamos da importância desse recorte racial e de gênero para fazer as políticas públicas avançarem. Essas informações nos darão o subsídio que precisamos quando falamos de mulheres no Judiciário”.
Para a juíza federal Clara da Mota, coordenadora da Comissão Ajufe Mulheres, a ideia do pedido surgiu num seminário realizado no início de março. Nele, ficou exposta a defasagem de dados de juízas negras no Poder Judiciário. “Sequer sabemos, no Censo de 2014, quantas são as mulheres juízas negras. Talvez seja bem menos do que 1% da magistratura federal”, diz Clara.
“O segmento de mulheres negras foi inviabilizado como categoria no censo de 2014. Isso é grave num país em que a Suprema Corte nunca teve uma mulher negra. Só tivemos uma desembargadora negra até hoje”, diz.
Segundo a juíza Karen Pinheiro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e diretora do Departamento de Direitos Humanos da Associação dos Juízes do estado, esses dados segregados com intersecção de raça podem criar uma identidade às magistradas negras.
“Poderemos saber quantas são, de que lugares vieram, em quais condições exercem sua jurisdição e qual sua formação. A partir disso, será possível criar uma identidade e implementar políticas públicas”, diz.
Ela lembra que, em geral, mulheres negras estão em situações – remuneratórias e de reconhecimento – piores do que as de mulheres brancas ou homens negros. “Com políticas específicas para elas, vamos modificar as condições para todas as mulheres”, avalia.
A visão das juízas
Em fevereiro, a Ajufe divulgou uma pesquisa com 185 magistradas. No levantamento, 86% delas disseram considerar a representatividade feminina baixa ou razoável.
Para 93% delas, a dupla jornada da mulher contribui para a baixa representatividade feminina na magistratura. Além disso, 83% delas consideraram que o fato de mulheres não serem acompanhadas por seus esposos ou companheiros quando têm de se mudar pelo trabalho também contribui para a a situação.
“Esse fator foi objeto de comentários por parte das juízas, uma vez que a promoção na carreira implica a ruptura da unidade familiar. Por uma questão cultural, é mais comum uma mulher acompanhar o seu cônjuge/companheiro em detrimento de seu próprio trabalho do que um homem fazer o mesmo”, diz a pesquisa.
Quase três em cada quatro juízas avaliam que têm mais dificuldades do que homens para ascender nos cargos dos Tribunais. “Salientou-se, ainda, que a disparidade nos TRFs evidencia a dificuldade de promoção na carreira’. Uma colega opinou também que ‘revela-se ainda uma resistência às promoções por merecimento. Para o homem muitas vezes basta apresentar um currículo apresentando seu amplo potencial. A mulher tem que provar seu desempenho excelente’”, diz trecho do levantamento.
Luciano Pádua