Negras têm salários menores e menos chances de ascender

08 de março, 2018

Mulheres são vítimas de discriminação por gênero e etnia

(O Globo, 08/03/2018 – acesse no site de origem)

Embora as mulheres já tenham superado os homens no acesso ao ensino superior, a participação delas em cargos de liderança caiu nos últimos anos. Essa incongruência, que afeta a população feminina em geral, é ainda mais severa quando se trata das mulheres negras. Se para as brancas a queda na ocupação de postos de gerência foi de 1,2 ponto percentual entre 2012 e 2016 — passando de 39,7% para 38,5% dos cargos —, para as negras foi de 4,7 pontos no mesmo período — caindo de 39,2% para 34,5%. As mulheres negras também têm salários menores, tanto em relação a homens e mulheres brancos quanto em relação a homens negros. Esses dados, na avaliação de especialistas, evidenciam que há pouco o que comemorar sobre igualdade no mercado de trabalho neste Dia Internacional da Mulher.

A exceção da exceção: Raquel Ferreira, negra e mulher, gerencia o setor de merchandising no Brasil de uma multinacional Foto: Edilson Dantas

A exceção da exceção: Raquel Ferreira, negra e mulher, gerencia o setor de merchandising no Brasil de uma multinacional (Foto: Edilson Dantas)

O levantamento, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi feito a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e integra a primeira publicação sobre estatísticas de gênero já realizada pelo instituto com base em 38 indicadores estipulados pelas Nações Unidas.

O cenário apresentado pelo estudo é explicado por uma discriminação em dobro, segundo Daniela Verzola Vaz, especialista em Economia do Trabalho e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A mulher negra sofre discriminação não só de gênero, mas de etnia. E a economista destaca que isso não acontece só em cargos de liderança, mas na inserção no mercado como um todo.

— As mulheres negras são líderes em menor número, têm menos empregos com carteira assinada e menos ocupações de jornada integral — ressalta ela. — Para além do preconceito em si, há o aspecto da divisão sexual do trabalho, uma divisão histórica e que não foi extinta. Ainda hoje, o cuidado com a casa e com os filhos é mais atribuído à mulher do que ao homem. E, por se ver obrigada a cumprir a maioria das tarefas domésticas sozinha, ela acaba procurando trabalhos mais precários, por conta própria ou de uma jornada mais curta. As mulheres que conseguem delegar mais as tarefas domésticas são as de classes sociais mais altas, em sua maioria mulheres brancas.

A especialista aponta, ainda, outro fator que contribui para esse cenário: a ideia socialmente construída de que ambição, no homem, é uma qualidade e, na mulher, um defeito.

— Muitas mulheres se autoexcluem de oportunidades de liderança porque não se veem naquele papel ou porque anteveem a dificuldade de conciliar cargos de destaque com a jornada em casa — argumenta Daniela. — Ainda será preciso muito tempo para superar essas noções.

Autora do livro “Mulheres no topo de carreira”, a economista Tânia Fontenele considera que, para reverter essa situação, são necessários programas organizacionais e governamentais de equidade de gênero e campanhas sobre igualdade nas escolas. Ela destaca também o quão importante é a oferta de creches públicas e dentro do ambiente de trabalho, além de escolas de tempo integral.

— Se essa oferta não é suficiente, a mulher é penalizada por ter filhos. Isso a afasta do trabalho e a afasta de posições de destaque nas empresas. É preciso repensar as estruturas de amparo social às mulheres, principalmente às negras e pobres — diz Tânia, que é professora de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Instituto de Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam).

As dificuldades impostas pelo gênero e pela cor da pele sempre acompanharam Raquel Ferreira, de 41 anos, solteira e sem filhos. Hoje, ela é coordenadora do setor de merchandising no Brasil da Mondelez, uma multinacional de alimentos, onde chefia um grupo de 24 pessoas. Ela considera que a cultura da empresa, que tem origem nos Estados Unidos, contribuiu para que ela alcançasse o posto de destaque. No entanto, a moça coleciona episódios ao longo de sua carreira em que se sentiu desvalorizada apenas por ser mulher e negra.

— Em outra empresa na qual trabalhei, eu exercia uma liderança na prática, mas não oficialmente. E eu sabia que era pela minha cor e por ser mulher. Às vezes eu transmitia o meu conhecimento para homens brancos, e eles passavam a ser mais valorizados do que eu — lembra ela.

A pesquisa do IBGE revela também que o rendimento mensal das mulheres em 2016 foi, em média, 23% mais baixo do que o dos homens. E as negras são as que recebem a menor faixa salarial: elas ganham uma média de R$ 1.283 por mês, enquanto os homens negros ganham R$ 1.624; as mulheres brancas ganham R$ 2.234; e os homens brancos, R$ 3.087.

Brasil: 152º em representatividade feminina

A pesquisa divulgada pelo IBGE também aponta que, de um total de 192 países, o Brasil ocupa a 152ª posição no ranking de representatividade feminina na Câmara dos Deputados, ficando atrás de países como Burkina Faso. Por aqui, as mulheres compõem apenas 10,5% do conjunto de deputados federais, o que confere ao Brasil o pior desempenho da América do Sul.

— São muitos os países à nossa frente, e com variados históricos e perfis de parlamento. Desde a Suécia até a Somália — afirma a pesquisadora Luanda Chaves Botelho, do IBGE. — Mas, de maneiras diferentes, 151 países conseguiram índices melhores do que os nossos. Por isso, não há como apontar uma só resposta sobre como alcançar isso.

No topo do ranking está Ruanda, com 61,3% de representatividade feminina. Parte da explicação para isso está no genocídio pelo qual o país passou em 1994, quando a população masculina foi drasticamente reduzida. Porém, mesmo antes disso, Ruanda tinha 18% de participação feminina, número superior ao que tem hoje o Brasil.

Clarissa Pains

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