‘Hostess’ ouvidas pelo G1 falaram sobre as dificuldades do trabalho em casas noturnas. Especialista diz que assédio pode ter efeito devastador.
(G1, 21/04/2018 – acesse no site de origem)
“As mulheres que trabalham com eventos são um mero objeto para atrair lucro”. O desabafo é feito pela estudante Clara Santana, de 20 anos, que atua no setor de eventos no litoral de São Paulo desde 2016. Relatos de diferentes mulheres que trabalham na área revelam uma importante faceta de um segmento que, com frequência, movimenta as casas noturnas: grande parte das profissionais já foram vítimas de assédio durante o trabalho.
Segundo as ‘hostess’ ouvidas pelo G1, a contratação de jovens que passem uma ideia de beleza e sensualidade para os clientes é estratégica para alavancar o faturamento das baladas. O grande problema, porém, é quando isso vem acompanhado do assédio masculino. Clara, por exemplo, conta que já foi beijada à força três vezes em uma única noite.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, durante o ano passado, foram registrados mais de 57 mil casos de assédio. Para a estudante, no caso das meninas que trabalham durante a noite, o problema começa já na hora da seleção das candidatas. “A beleza influencia em muitos casos. No processo de seleção, por exemplo, é frequente pedirem imagens de corpo inteiro. Não mando porque não gosto. Não estou ali para ter o meu corpo observado”, desabafa.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reforçam o quanto situações como as enfrentadas por Clara são comuns. Segundo a OIT, 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. No caso das que trabalham em eventos – de quem, com frequência, exige-se que se mostrem atrativas –, esses números são ainda maiores.
Sem denúncia
Raphaella Mello, de 23 anos, trabalha em eventos desde 2015. Ela também relata que já passou por algumas situações de assédio nas casas noturnas da Baixada Santista. “Nunca denunciei casos assim. Acho que pensamos que, para denunciar, precisam ter feito algo conosco fisicamente. Esse foi o jeito como fomos ensinadas, ou seja, só denunciamos quando as coisas chegam ao extremo”, diz.
Segundo Raphaella, nunca houve orientação por parte de organizadores sobre como ela deveria lidar com a situação. “Por conta do meu jeito, e do fato de já ficar na defensiva com esse tipo de situação, os seguranças acabam me ajudando”. Além de frequentadores, ela conta que também já acabou sofrendo assédio de um segurança de uma casa noturna.
No início da carreira, Raphaella passou por um episódio que considera traumático. “Quando fui distribuir tequila, um menino e o amigo dele passaram a mão em mim. Fiquei muito nervosa e comecei a discutir. Um deles pegou a carteira e me perguntou quanto eu cobrava. Me senti muito ofendida, extremamente objetificada e muito mal’’, relata.
Para driblar o assédio, atualmente, Raphaella só trabalha em festas LGBT. Ela diz que, nesse tipo de balada, a exposição do corpo não é tão necessária. “O corpo não é um aperitivo. Então, me sinto mais à vontade e segura. Também pode ocorrer assédio, mas é menos frequente. As pessoas precisam entender que nada dá o direito de encostar em uma mulher sem sua permissão. O machismo é tão enraizado que acabam não percebendo que estão reproduzindo isso”, afirma.
Assim como Raphaella, Laryssa Catarino dos Santos, de 20 anos, nunca denunciou os assédios que sofreu. “Eu não via o abuso verbal como um assédio brutal. Claro, se houvesse algo mais grave, denunciaria”. Ela começou a trabalhar em eventos na Baixada Santista aos 16 anos. Hoje, mora na Irlanda e não atua mais nessa área.
Mesmo fora do país, ela considera importante falar sobre os abusos que sofreu quando trabalhava na área. “Quando se trabalha em eventos, é preciso saber diferenciar os elogios do assédio verbal. Dizer que a mulher é bonita ou simpática não tem nada a ver com falar ‘nossa, que gostosa, pode passar o telefone?’. São coisas totalmente diferentes”. Para ela, os assédios verbais abalam o emocional. “É o nosso trabalho, e não estamos ali para aparecer ou mostrar o corpo, como dizem”.
Efeito Devastador
A coordenadora de Políticas Públicas para a Mulher da Secretaria de Defesa da Cidadania de Santos, Diná Ferreira Oliveira, explica que o assédio no trabalho é uma coisa extremamente delicada, porque envolve hierarquia. Isso torna mais difícil a denúncia. “As vítimas têm medo de perder o emprego, do qual dependem ou para o qual se prepararam a vida inteira para alcançar. O assédio sexual e moral nesse ambiente é devastador para a mulher, porque envolve sua estrutura e sua carreira”.
Diná argumenta que o machismo nas empresas embute a ideia de que a culpa é sempre da vítima. “Independe da roupa ou do jeito. A culpa nunca deve ser colocada na mulher”. Ela afirma que as denúncias não correspondem nem à metade dos casos.
Para a coordenadora, já existe uma posição cultural de que a mulher é um produto, quando se trata da atuação em eventos. Ela aponta que há situações que não justificam, mas favorecem o assédio. “Infelizmente, por uma questão de cultura, alguns homens acreditam que estar com uma roupa curta ou decotada é estar pedindo. E as mulheres acham que se denunciarem não vão mais conseguir trabalho”, lamenta.
Isabella Lima, Samantha Fernandes e Verônica Gonzalez