No último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, assisti a uma palestra de um homem chamado Adam Kahane. A fala de Adam, especialista em resolução de conflitos que trabalhou em locais como Colômbia e a África do Sul pós-Apartheid, mexeu muito comigo. Ele basicamente falou sobre a importância de colaborar e trabalhar com quem pensa radicalmente diferente de nós.
(Emais, 03/05/2018 – acesse no site de origem)
Sua fala veio após a apresentação de uma pesquisa sobre violência contra a mulher que mostra como se dá o debate sobre o tema no meio digital. Organizada pelo Instituto Avon, a pesquisa mostra que apenas 6% dos homens que participam dos debates online sobre o tema demonstram apoio às mulheres. A maioria deles chega para xingar, agredir, desqualificar. Os homens são 96% dos haters do discurso feminista, especialmente os brancos (80%) de classes A e B (53%). Surpresa nenhuma, basta acessar a caixa de comentários de literalmente qualquer um dos meus textos.
Ser alvo dessa violência cotidiana não dá a menor vontade de dialogar, caros leitores. Por que eu conversaria com quem aproveita qualquer oportunidade para me bater/linchar/desqualificar? Segundo Adam Kahane, é exatamente por isso que nós devemos trabalhar juntos. É o único caminho para de fato avançar enquanto sociedade, ainda que discordemos em pontos cruciais.
Na verdade não é o único caminho, porque sempre existe a possibilidade de impor suas ideias pelo uso da força (Adam explica melhor em seu livro Trabalhando com o Inimigo, que eu recomendo). Eu me recuso, porque acho que isso é exatamente o que pavimentou uma sociedade machista e patriarcal. Nós mulheres fomos assim silenciadas e subjugadas por séculos com o auxílio de Estados, exércitos, igrejas. Não é essa a sociedade que eu quero ajudar a construir.
Acredito em construção por meio do diálogo. Especialmente em um momento de crescente polarização de ideias, de radicalização de debate, de muita gente falando sem ninguém realmente ouvir. Especialmente em um mundo de bolhas ideológicas potencializadas por algoritmos que nos deixam cada vez mais desacostumados a ouvir ideias contrárias. Do jeito que está, tudo que fazemos é passar raiva ao ver “o outro lado” (qualquer que ele seja) ganhar espaço.
No meu entendimento, construir por meio do diálogo não quer dizer, de jeito nenhum, ignorar que a maioria dos nossos direitos foram conquistados no grito, depois de esgotar todas as formas de diálogo. Acredito que ambas as formas de ativismo são necessárias e complementares, o que me preocupa é uma recusa cada vez maior em conviver com ideias diferentes – mesmo dentro do feminismo.
Ao ter um blog hospedado no Estadão, sei que não sou lida só por mulheres – feministas, brancas, de classe média alta como eu -, e portanto preciso falar para quem é diferente, o que naturalmente causa uma reação. Pelos homens reativos ao feminismo, sou semanalmente xingada de todas as maneiras por acreditar em uma sociedade que retira os privilégios de uma parcela da população. Por parte do movimento feminista (bem mais plural do que muitos pensam) sou frequentemente criticada por abarcar os homens em meus textos (e no meu projeto de mundo). Às vezes cansa, mas sigo acreditando que é este o melhor caminho a seguir.
Seria exponencialmente mais fácil falar para pessoas iguais a mim e que pensam o mesmo do que eu. Pessoas que já enxergam a igualdade como solução, mas não é essa minha realidade. Depois de ler e ouvir Adam Kahane, acho também que preciso me abrir mais ao diálogo com quem pensa diferente.
O que Adam propõe não é fácil: ele defende que se dialogue mesmo com os extremos. Com pessoas que defendem abertamente o privilégio de uns acima de outros. Não tenho esse sangue frio. Também imagino que o autor não seja o alvo de ofensas agressivas cotidianas, o que o dá outra perspectiva da história.
Mas vamos lá, tentar não custa nada. Há de haver uma brecha possível entre quem só está na internet para bater e quem já concorda comigo. Dialoguemos.