Emissoras vão adotar mais diversidade somente sob pressão dos astros da TV
(Terra, 07/05/2018 – acesse no site de origem)
Atores têm muito poder na televisão brasileira. Mas não sabem usá-lo para promover políticas em benefício da própria classe.
No momento, vê-se certa mobilização por conta da votação no STF que poderá extinguir a exigência do registro profissional de artista, chamado de DRT.
No geral, o ego e os interesses pessoais falam mais alto e há pouca união em defesa dos interesses de quem atua em TV, teatro e cinema.
A pífia presença de negros nas novelas é consequência dessa falta de coesão.
A recorrente polêmica sobre o racismo na televisão voltou a gerar manchetes por conta de ‘Segundo Sol’, próximo folhetim das 21h da Globo.
Ambientada na Bahia, estado com mais negros no Brasil, a trama não tem nenhum afrodescendente entre os protagonistas.
Os poucos negros escalados serão vistos em papéis secundários. Alguns como empregados de brancos ricos, como sempre.
Questionada, a Globo se fez de indiferente a princípio. Soltou uma daquelas previsíveis notas burocráticas para a imprensa.
A postura do canal mudou quando atores de ‘Segundo Sol’ solicitaram uma reunião com uma diretora de produção e contestaram a ausência de negros no elenco.
A pressão de algumas estrelas surtiu efeito. A Globo diz agora que vai rever futuras escalações para ampliar a diversidade étnica.
Não deixa de ser um avanço, ainda que tímido, à reivindicação de que a população brasileira, formada por 54% de negros e pardos, seja melhor representada nas novelas da mais poderosa TV do País.
Grupos do Movimento Negro protestaram anteriormente contra essa frequente disparidade racial na teledramaturgia. Na prática, houve pouco avanço.
Constata-se agora que foi necessário um coro de vozes de atores brancos para que a Globo realmente se mostre sensível à causa.
Impossível não fazer um paralelo com a própria libertação dos escravos no Brasil.
Foi necessária a pressão de brancos europeus, de Países nos quais a escravatura já havia sido revogada havia muito tempo, para que o Império enfim promulgasse aqui a Lei Áurea.
O Brasil está, vergonhosamente, entre as cinco últimas nações a dar fim ao regime de escravidão de negros.
Depois de 130 anos, o racismo ainda se mantém intrínseco à sociedade brasileira.
A reduzida presença de negros nas novelas é prova incontestável de um problema social de pouca discussão e difícil solução.
Na Globo, há exemplos de sucesso do protagonismo negro. Taís Araújo brilhou como Preta, personagem principal de ‘Da Cor do Pecado’, novela exibida na faixa das 19h em 2004.
No momento, a atriz e seu marido, Lázaro Ramos, estão à frente de outra produção exitosa: o seriado ‘Mister Brau’, em sua quarta temporada, sempre com elogios da crítica e boa audiência.
A própria Taís havia rompido a barreira racial bem antes de chegar à Globo. Estrelou a bem-sucedida ‘Xica da Silva’, na Manchete, entre 1996 e 1997.
Não há cabimento afirmar que a maioria dos noveleiros prefere atores de pele clara nos papéis de destaque nas novelas.
Houve sim um caso ruidoso de protagonista negra rejeitada. Foi a Helena de ‘Viver a Vida’ (2009), personagem defendida pela mesma Taís Araújo.
Mas a reação do público se deu por problemas dramatúrgico e dogmático, não pelo tom de pele da atriz.
Helena era uma personagem sem carisma e carregava o peso de ter feito um aborto para não perder uma chance de ouro na carreira de modelo – atitude esta que certamente teria sido reprovada pelo telespectador conservador mesmo que a atriz fosse branquíssima.
Ao definir os atores do elenco de uma novela qualquer emissora toma cuidados por se tratar de um produto caríssimo e que pode gerar prejuízo considerável caso não conquiste o público.
Contudo, investir sempre nos mesmos atores brancos apenas por garantia é, além de uma atitude comodista e pouco criativa, uma lamentável contribuição à invisibilidade dos negros no mais poderoso veículo de comunicação de massa do País.
Isso só vai mudar sob pressão dos próprios atores, da imprensa e do público consumidor de ficção na TV.
Tomara que essa iniciativa dos artistas de ‘Segundo Sol’ gere mais do que um ‘mea culpa’ da Globo.
Espera-se uma atitude efetiva que promova significativa inclusão em próximas produções do canal.
A televisão só tem a ganhar ao reproduzir a bela diversidade existente neste País tão miscigenado.