Há apenas 7,98% de atores negros trabalhando na dramaturgia das três principais emissoras do país, atualmente, segundo levantamento feito pela reportagem do UOL. O cálculo levou em conta as novelas que estão no ar ou em produção na Globo, na Record e no SBT, e o elenco divulgado por cada uma delas.
(UOL, 16/05/2018 – acesse no site de origem)
Enquanto “As Aventuras de Poliana”, que estreia nesta quarta (16) no SBT, é a trama que possui a maior representatividade negra (14,5%), a global “Deus Salve o Rei” possui apenas um ator negro. Já em “Apocalipse”, da Record, dos 81 atores que constam na ficha técnica, apenas dois são negros –ou 2,46% do total.
A discussão sobre o assunto foi levantada no final de abril, depois de ativistas de movimentos negros reclamarem nas redes sociais sobre o fato de a nova novela das 21h da Globo, “Segundo Sol”, ser formada majoritariamente por brancos. A história escrita por João Emanuel Carneiro se passa na Bahia, onde 80,2% dos habitantes se declararam pretos ou pardos, de acordo com os dados de 2017 do IBGE.
Para Sidney Santiago, ator, pesquisador e ativista, a televisão tem se tornado a ferramenta mais eficaz para a manutenção do racismo. “Quando o povo não se vê, não se acha merecedor de direitos. Nós, atores negros, ainda estamos atrelados a uma rubrica. São 200 personagens em uma novela, você tem três negros, e todos eles são pessoas desumanizadas, que não têm a sua história contada”, critica.
“O problema não é ser empregada doméstica negra, o problema é essa empregada doméstica negra não ter família, não ter afetividade, ser despolitizada. É contra isso que nós precisamos lutar”, afirma ele, que participou de novelas como “Caminho das Índias” (Globo) e “Escrava Mãe” (Record), referindo-se aos estereótipos.
Santiago não acredita na tentativa real de mudança por parte das emissoras. “Eu não vejo uma mobilização real. Não estou falando de factóide, de produção de nota, de campanhas de inclusão de um dia para a noite. O que a gente está vendo é isso: a partir de um clamor social, uma mobilização, mas, para mim, ainda não é uma mobilização real. São factóides para tentar se relacionar com o clamor público.”
Após a polêmica, a TV Globo emitiu nota dizendo que “foi colocado que, de fato, ainda temos uma representatividade menor do que gostaríamos e vamos trabalhar para evoluir com essa questão”. Record e SBT também foram consultadas, mas não responderam aos questionamentos até a conclusão deste texto.
Autora de “As Aventuras de Poliana”, Íris Abravanel disse ter dificuldade de encontrar atores negros para compor os elencos durante o lançamento da novela infanto-juvenil do SBT, na semana passada.
“Quando nós procuramos atores, não é fácil encontrar ator afro. Nós temos dificuldade de encontrar. Eu acho que eles precisam eles mesmos superarem algumas dificuldades e ir para frente, conquistar. Eu fico tão feliz quando eu vejo alguém que consegue ser um advogado, um médico, um ator. Às vezes quando pedimos, não tem muitos não. Então, aquilo que nós conseguimos, nós aproveitamos”.
Discussão “ridícula e esquisita”
Na contramão de outros atores, a veterana Ruth de Souza, uma das primeiras atrizes negras a ganhar papel de destaque em uma novela, considera os tempos de hoje como “melhores” em relação à escalação de atores negros, mas avalia como “ridículo e esquisito” ter que discutir sobre o tema na dramaturgia.
“Está bem diferente de antes, agora está melhor, temos mais atores e atrizes [negros] e [as novelas] estão misturando casamento de negro e branco, tem até juíza [negra]”, afirma a atriz de 97 anos, que fez participação recentemente na série “Mister Brau”.
“A carreira de ator é ruim para qualquer um. Acho ridículo e esquisito o brasileiro discutir sobre negros e brancos. Na minha família, por exemplo, tem negro, japonês, tem um monte de raças. Eu acho que precisamos gostar é do ser humano, não importa a raça dele”, completa.
Dona Ruth, que diz nunca ter sofrido com racismo –“ou se sofri, eu não vi”– cita como exemplos de representatividade na televisão, além da juíza Raquel, interpretada por Erika Januza em “O Outro Lado do Paraíso”, a jornalista Maju Coutinho, que apresenta a previsão do tempo no “JN”.
Medidas judiciais
Na última sexta, o Ministério Público do Trabalho (MPT) enviou uma notificação à TV Globo em que pede que a emissora faça adaptações em “Segundo Sol” e em outras programas da emissora. O órgão deu um prazo de dez dias para que a emissora possa “propiciar a representação da diversidade étnico-racial da sociedade brasileira”.
Em entrevista ao colunista do UOL, Mauricio Stycer, a procuradora Valdirene Silva de Assis, à frente da recém-criada Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade e Combate à Discriminação no Trabalho, diz que a notificação feita à Globo é “um passo preliminar de uma atuação mais efetiva” e que o órgão deve bater na porta de outras emissoras.
“Pretendemos que estas emissoras abram este debate. Revejam as suas práticas. As emissoras não fazem isso sozinhas. É um reflexo desta situação”.
No Congresso, o deputado federal Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ) apresentou no dia 11 de abril um projeto de lei no qual obriga emissoras de rádio e TV a terem, no mínimo, 30% de negros em suas respectivas áreas, inclusive a dramaturgia. Se aprovada, a proposta atingiria emissoras de TV públicas e privadas.
Nas redes sociais, o parlamentar justificou o projeto. “O sistema de cotas no ensino superior hoje faz a diferença diminuindo a histórica desigualdade entre brancos e negros nesse país. O Brasil é um país racista, e por isso precisamos quebrar essas barreiras”.
Gilvan Marques