Como um PL que criminaliza a alienação parental pode virar mais um retrocesso para as mulheres

24 de maio, 2018

Relatório da deputada Shéridan (PSDB) sobre o PL 4488/2018 diz que a proposta traz mais prejuízo que benefícios; que em 90% dos casos serão as mulheres que estarão sujeitas à prisão e sugere uma abordagem não penal para solucionar o problema que preocupa muitos genitores vítimas da alienação 

(Jornal GGN, 24/05/2018 – acesse no site de origem)

A Câmara dos Deputados lançou neste mês, em seu site, uma enquete sobre o PL (Projeto de Lei) 4488/2016, que criminaliza a alienação parental, ou seja, o ato praticado por uma mãe, um pai ou qualquer outro parente com a finalidade de afastar a criança de um de seus genitores.

A proposta do deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB) – que também é autor da lei da guarda compartilhada, que já completou 4 anos – é polêmica e vem sendo combatida nas redes sociais e fora delas por grupos de mulheres que enxergam retrocessos no texto original.

Há 2 anos o PL vem sendo discutido na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara e prevê pena de até 3 anos de prisão para o condenado por alienação parental. Segundo a relatora, deputada Shéridan (PSDB), na maioria esmagadora dos casos, as mães sentarão no banco dos réus.

Em 2016, quando apresentou o projeto, Arnaldo de Sá Faria declarou, segundo a Agência Câmara, que o “falso da Lei Maria da Penha” e “denúncias de abuso sexual são atos criminosos que visam afastar os filhos do outro cônjuge.” No próprio PL o deputado argumentou que “a alienação parental é prática corriqueira em mais de 80% das relações entre pais separados, sendo relativamente comum a apresentação de falsas denúncias de abuso sexual.”

O temor é que em vez de construir garantias para genitor alienado, na prática, o PL 4488 venha a ser usado como vingança contra a mãe que acionar a Lei Maria da Penha ou denunciar o parceiro por abuso sexual. De um lado, haverá um processo criminal para apurar a violência e, de outro, um processo criminal para verificar se as denúncias configuram alienação parental.

“(…) nestes casos, magistrados e promotores estarão diante de uma situação dramática, com a acusação de abuso sexual por um dos genitores e de alienação parental pelo outro e qualquer decisão equivocada em um caso como este pode promover efeitos bastante deletérios”, reconheceu a relatora.

Em entrevista recente, divulgada em sua página no Facebook, o deputado disse que quem acha que a lei vai proteger pais que praticam abuso sexual está falando “bobagens”.

MOTIVOS PARA REFORMAR A PROPOSTA

O texto original do PL 4488 propõe que pena de prisão seja agravada em 1/3 ao condenado por alienação parental nos casos em que o crime se der “por motivo torpe, por manejo irregular da Lei 11.340/2006 (que trata de violência doméstica), por falsa denúncia de qualquer ordem, inclusive de abuso sexual aos filhos.”

No ano passado, a deputada Shéridan afirmou em seu relatório que “embora bem intencionado, [o texto original] produz muito mais efeitos negativos do que positivos.”

“Não creio que a solução para o problema da alienação parental no Brasil seja sujeitar a um processo criminal 80% das pessoas com filhos que se divorciam. Não acredito que trará nenhum benefício para crianças e adolescentes ver um de seus genitores, na grande maioria a mãe, ser processada criminalmente e eventualmente presa”, escreveu.

Segundo Shéridan, o PL desafia a lógica da eficiência de criminalizar o caso. Isto porque só em 2014 o Brasil registrou 341 mil divórcios. Se 80% desses casos foram marcados por alienação parental, significa que pelo menos 272 mil processos criminais poderiam ser instaurados com base na nova lei. “Nem o Judiciário, nem o Ministério Público, nem a polícia têm estrutura para investigar, processar e punir 270 mil novos casos por ano”, apontou.

A deputada ainda destacou que, “na esmagadora maioria das vezes, dado o elevado índice de guardas de menores concedidas às mães – mais de 90% – o alienador parental é justamente a mulher” e defendeu que as famílias que atravessam esse tipo de crise precisam “de ajuda, e não de prisão”. “As soluções, assim, devem ser interdisciplinares, e não penais.”

Shéridan sugeriu que o texto original fosse substituído por outro, “de modo a conferir mais recursos para que o Poder Judiciário possa identificar e tratar casos de alienação parental.”

“(…) o mais importante é identificar os problemas relacionados aos procedimentos que vem sendo adotados pelos magistrados nos processos de alienação parental, a fim de aprimorar as regras procedimentais e conferir maior segurança ao magistrado para decidir os casos de alienação, em especial quando na outra ponta há uma denúncia de abuso sexual formulada por um dos genitores. ”

ARGUMENTOS FALSOS

A relatora também afirmou que é “falsa a ideia de que não há nenhuma solução legal para o problema” da alienação parental hoje, citando a existência da lei n° 12.318/2010, segundo a qual “quem coloca os filhos contra os pais pode ter penas que variam de advertência, multa, ampliação de convivência da criança com o pai ou mãe vitimados, até a perda da guarda da criança ou adolescente, ou mesmo da autoridade parental.”

E também rebateu o argumento de que o uso de denúncias falsas de maus tratos e abuso sexual fica sem punição, indicando o artigo 339 do Código Penal.

Segundo informações da Câmara, o PL ainda está na CSSF. Depois que Shéridan propôs um texto alternativo (leia aqui), o deputado Arnaldo Faria de Sá pediu para suspender a tramitação e abrir o debate ao público.

Na tarde desta quinta (24), quando foi consultada pela reportagem do GGN, a enquete no site da Câmara registrava que mais de 64% responderam que discordam da proposta.

O PL ainda precisará ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça antes de ir ao plenário da Câmara.

Cíntia Alves

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