A Organização das Nações Unidas elaborou um documento para orientar o setor privado sobre o tema. Mais de 17 companhias brasileiras demonstram apoio a iniciativa.
(HuffPost Brasil, 17/07/2018 – acesse no site de origem)
As ações afirmativas de empresas para a inclusão de pessoas LGBTI e para promover o respeito à diversidade no mercado de trabalho ainda são escassas e inconsistentes. A conclusão é da Organização das Nações Unidas. A ONU reconhece que a última década trouxe avanços para milhares de gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans e intersexo ao redor do mundo, mas ressalta que esse progresso foi sido parcial e desigual, com avanços significativos alcançados em alguns países e para algumas comunidades, compensados pela falta de progresso, ou até mesmo retrocesso, em outros lugares.
“Se quisermos alcançar um progresso global mais rápido rumo à igualdade para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoas trans e intersexo, o setor privado não apenas terá de cumprir com suas responsabilidades de direitos humanos, mas também de tornar-se um agente ativo de mudança”, afirmou Zeid Ra’ad Al Hussein, Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, na abertura do relatório “Enfrentando a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoas trans e intersexo – Padrões de Conduta para Empresas”.
“Essas pessoas são excluídas do acesso ao meio. Se não têm acesso ao trabalho, não têm acesso a aluguel, não têm como cuidar da saúde, da sua saúde mental.”
Pri Bertucci, fundador do SSEX BBOX.
Os padrões de conduta foram definidos pela ONU com base em normas e boas práticas reconhecidas internacionalmente, elaborados após um ano de reuniões consultivas regionais, com representantes de empresas e da sociedade civil na Europa, África, Ásia e Américas. O documento oferece a empresas de todo o mundo – de pequeno, médio e grande porte, nacionais e multinacionais – orientações sobre como respeitar os direitos da população LGBTI dentro e fora do mercado de trabalho.
Para chamar o setor empresarial brasileiro a assumir essa responsabilidade, a campanha Livres & Iguais da ONU lançou o documento em evento em São Paulo no mês passado, como parte das comemorações do Mês Internacional do Orgulho LGBT. “É particularmente importante realizar o lançamento latino-americano dos Padrões de Conduta em São Paulo, já que o setor privado brasileiro aderiu de modo extraordinário a eles desde o início, com mais de 17 empresas na lista de primeiros apoiadores”, ressaltou Fabrice Houdart, Oficial de Direitos Humanos das Nações Unidas e co-autor do relatório. Entre as signatárias estão Braskem, Gol, Natura, Jogê, entre outras (veja a lista completa abaixo). Globalmente, mais de 140 empresas já manifestaram apoio a iniciativa.
Veja abaixo quais são os cinco compromissos básicos que as empresas devem assumir para combater o preconceito e apoiar a diversidade:
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No mercado, pessoas trans ainda são os principais alvos de preconceito
Para a ONU, muitas companhias descobriram que enfrentar ativamente a discriminação e promover a diversidade e a inclusão também trazem benefícios econômicos. Porém, os avanços ainda são considerados desiguais. A ONU avalia que algumas empresas possuem políticas em vigor para proteger lésbicas, gays e bissexuais, mas ainda precisam tomar medidas para proteger travestis, pessoas trans e intersexo.
No Brasil, o país mais violento para travestis e transexuais do mundo, o preconceito e a baixa escolaridade não permitem que a maior parte dessas pessoas tenham uma oportunidade no mercado de trabalho formal. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da população trans vive exclusivamente da prostituição – muitas vezes por não terem tido oportunidade de estudo ou outra forma de se sustentar. Apenas 6% têm empregos informais e 4% têm empregos com fluxo de carreira.
“Essas pessoas são excluídas do acesso ao meio. Se não têm acesso ao trabalho, não têm acesso a aluguel, não têm como cuidar da saúde, da sua saúde mental. As empresas começam a perceber essa hegemonia, perceber que são constituídas de pessoas heteros, cis, brancas. E começam a se abrir para esse processo”, contou Pri Bertucci, fundador do SSEX BBOX, iniciativa parceira da campanha Livres & Iguais da ONU na realização do lançamento dos padrões de conduta no Brasil e que realiza oficinas e palestras dentro de empresas interessadas em promover a diversidade e a inclusão de pessoas LGBTI.
“O nome social é o nome da pessoa. O nome de registro deve estar só relacionado a Rais e a informações do RH, que sejam sigilosas.”
Julia Rosemberg
Quando o assunto é a contratação de pessoas trans, o nome social e o uso do banheiro são as duas principais questões imediatamente trazidas pelas empresas, explicou Júlia Rosemberg, coordenadora do SSEX BBOX. “Quando a gente vai dar palestras e oficinas nas empresas, geralmente fica dez minutos conversando sobre a questão do banheiro. O que na verdade seria muito simples, que é cada um usar o banheiro conforme o seu gênero. O que chama a atenção é que os argumentos que as pessoas usam nessa questão sempre têm um fundo preconceituoso e discriminatório, nunca é na intenção de fazer uma discussão sobre gênero, ou discutir que tipo de placa é adequada. São essas desconstruções que a gente tem que fazer”, contou a educadora.
Julia também explicou que todas as informações públicas do funcionário ou funcionária trans, como crachá, e-mail ou cartão, devem estar vinculadas ao seu nome social. “O nome social é o nome da pessoa. O nome de registro deve estar só relacionado a Rais e a informações do RH, que sejam sigilosas”, orientou.
Poder usar o seu próprio nome na sua atividade profissional foi determinante para o recomeço vivido por Larissa Wichineski. Há dois anos ela iniciou a transição hormonal e assumiu publicamente, para família e amigos, sua identidade de gênero. O impacto na sua carreira foi imediato. Ela sempre trabalhou por conta própria, ela já havia atuado como representante de vendas, mas há cinco anos ganhava a vida com o seu próprio consultório de massoterapia em Curitiba, Paraná. Ao se assumir uma mulher trans aos 36 anos de idade, Larissa viu clientela sumir. “A princípio todo mundo falou que ia ficar tudo bem, mas o telefone simplesmente parou de tocar. Tentei voltar a fazer vendas, mas as pessoas não querem negociar com alguém diferente”, desabafa.
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Com as dificuldades, Larissa fez o mesmo que muitos brasileiros nos últimos anos de crise: virou motorista de aplicativos de carona. Há um ano ela se cadastrou na Uber, ainda como Leandro, seu nome de registro. E assim permaneceu por um mês. “Mas pensei, estou mudando a minha vida toda e vou continuar usando esse nome que não me representa mais? Fui até a Uber pela manhã e expliquei que na verdade me ‘fantasiava’ de homem para trabalhar. O pessoal foi ótimo e voltei a tarde para mudar o meu cadastro. Daí para frente, a vida mudou muito”, conta. A Uber permite o uso do nome social no aplicativo, mesmo que o motorista ainda não tenha completado o processo de mudança no seu registro civil.
A empresa é uma das signatárias dos padrões de conduta da ONU e promove ações de inclusão e de respeito à diversidade entre seus funcionários e entre os motoristas que usam a plataforma e trabalham como autônomos. Segundo levantamento feito no ano passado, 15% dos empregados formais da Uber em todo o mundo se declararam espontaneamente LGBTQ+.