Ministra responde críticas de que tema só deveria ser discutido no Congresso
(Folha de S.Paulo, 03/08/2018 – acesse no site de origem)
Relatora da ação que discute a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber respondeu sutilmente às críticas de que o tema não deveria ser discutido no Judiciário, mas sim no Congresso.
Ao abrir nesta sexta (3) a audiência pública realizada no STF para debater o assunto, Rosa afirmou que, em uma democracia constitucional, a resolução de uma controvérsia pode se dar no Legislativo ou no Judiciário.
“Falar em democracia constitucional, que é um conceito que não se reduz ao conceito de democracia majoritária representativa, sem compreender os valores fundamentais que a viabilizam é incidir em mera retórica”, disse a ministra.
“Há que reconhecer o valor da divergência e ter presente o conflito entre os direitos fundamentais envolvido nessas questões constitucionais. Mas há que reconhecer o valor do arbitramento necessário à resolução do problema, por meio de processo público de tomada de decisão, seja no âmbito do Parlamento, seja no âmbito do Poder Judiciário, sem recurso à violência de qualquer ordem, física ou verbal”, completou.
Rosa destacou que a Justiça só se pronuncia sobre um tema quando é provocada, e, nesse caso, não pode deixar de dar uma resposta.
Integrante da Primeira Turma do STF, Rosa já votou a favor da tese de que aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime. Na ocasião, em novembro de 2016, a maioria da turma firmou esse entendimento com os votos de Rosa, Luís Roberto Barroso (que propôs a tese) e Edson Fachin.
A ação em discussão hoje no Supremo foi ajuizada no ano passado pelo PSOL, que pediu para os ministros excluírem do âmbito de incidência de dois artigos do Código Penal os abortos que forem praticados nas primeiras 12 semanas de gestação.
Os artigos são o 124, que criminaliza a mulher (detenção de 1 a 3 anos), e o 126, que criminaliza quem provocar o aborto, incluindo profissionais de saúde (pena de 1 a 4 anos de reclusão).
A audiência pública realizada nesta sexta e na próxima segunda (6) visa dar argumentos diversificados aos 11 ministros da corte para julgarem o processo. Ainda não há data para o julgamento final da ação.
Em meio a dados sobre mortes de mulheres no país e imagens de embriões humanos em formação, os expositores levaram à audiência relatos de experiências pessoais e performances que comoveram a plateia.
Uma das principais críticas dos contrários à descriminalização do aborto é que uma eventual mudança deveria vir do Congresso, e não do Supremo.
“O STF é poder constituído, não poder constituinte, e não pode tirar a prerrogativa constituinte de quem é de direito. A judicialização da questão do aborto agrava o equilíbrio que deve haver entre os poderes, porque o Judiciário, ao exorbitar seus poderes, comete um atentando contra a própria Constituição”, disse na audiência pública o representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, Hermes Nery.
EXPERIÊNCIAS
O momento de maior comoção foi quando o médico pediatra Sérgio Rego, representante da Sociedade Brasileira de Bioética, revelou sua história familiar. Casado com uma médica, eles tiveram um filho com deficiência e decidiram não ter outras crianças para se dedicarem à criação do garoto.
Apesar da decisão, o planejamento familiar falhou, contou Rego, e sua mulher engravidou. Juntos, eles optaram, então, por fazer um aborto —o que sempre esteve disponível para quem pode pagar, observou o médico.
Outro momento de emoção para parte da plateia foi a fala da antropóloga Adriana Abreu Magalhães Dias, do Instituto Baresi, que congrega associações de pessoas com doenças raras. Ela rebateu o argumento de grupos contrários a descriminalização do aborto de que legalizá-lo é uma medida eugênica —que possibilitaria às mães abortar fetos com deficiência.
A própria Adriana é deficiente (afirmou ter uma doença rara que lhe rendeu várias fraturas pelo corpo) e disse que, como mulher, é favorável ao direito de escolha. “Por favor, nunca falem de nós nem sobre nós sem a nossa presença. Mulheres com deficiência também lutam pela descriminalização do aborto no Brasil”, afirmou, sob aplausos.
Com propósito contrário, Rosemeire Santiago, do Centro de Reestruturação para a Vida, levou à audiência um jovem que tocou violino. A mãe dele foi uma das mulheres acolhidas por sua entidade, que dá apoio a mães que cogitam abortar, mas resolvem ter os filhos.Numa encenação, o jovem surpreendeu os presentes ao “invadir” o plenário com o instrumento, até ser interrompido pelo início da fala de Rosemeire.
“A metáfora que eu quis criar é que, como eu o interrompi, a mãe dele também poderia ter feito”, explicou Rosemeire após o evento.
O médico Marcos Dias, que atua no ambulatório de pré-natal do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, Criança e Adolescente da Fiocruz, no Rio, falou dos danos físicos e mentais que a criminalização do aborto impõe a mulheres que desejam não ter o filho.
“Em um caso particularmente doloroso para a mulher e para a equipe, uma gestante se confessou culpada, pois assim que descobriu a gestação não planejada tomou medicamentos para interrompê-la. Não obtendo sucesso na tentativa, procurou um serviço para fazer o acompanhamento pré-natal e descobriu a presença da malformação fetal”, relatou.
“A mulher sofria duplamente pois não desejava a gestação e se sentia culpada pelo problema que o feto apresentava.”
Já Regina Beatriz Tavares da Silva, que representou a Associação de Direito da Família e das Sucessões, defendeu que a vida é o maior direito a ser preservado, por ser o primeiro deles.
“A saída [para mortes e complicações por abortos clandestinos] é priorizar políticas públicas para evitar a gravidez, e não incentivar políticas abortivas. Caso ocorra a gravidez, priorizar políticas públicas de salvaguarda à gestante e ao ser humano em gestação”, afirmou.
Na segunda-feira, serão ouvidos representantes de diversas religiões.
Reynaldo Turollo Jr.